Não há maior angústia que viver a angústia dos nossos filhos. E ser do Sporting é viver essa angústia. Sou do Benfica mas como não levo o futebol a sério, gosto do Sporting. Talvez seja por afinidade ou por osmose. Há tanta gente de quem gosto que gosta tanto do Sporting que é impossível ser indiferente ao fenómeno. Há alguma coisa sem sentido neste meu carinho pelo grande rival do meu clube, mas como tudo no futebol é emocional este carinho não tem lógica nenhuma. Também me irrita o fanatismo benfiquista, acho exagerado. Deve ser por ganharam com regozijo, pela arrogância dos campeões. Os benfiquistas são uma espécie de donos disto tudo que não tremem com o sucesso dos outros, que se mantêm campeões apesar de perderem. Às vezes corre mal, mas até a vitória, quando não a têm, é sempre deles. Os benfiquistas chegam a ter uma cor que só eles e os betos conhecem: encarnado. A cor é vermelho, mas os benfiquistas são encarnados.
Um dos meus filhos diz que gosta mais do Sporting do que de futebol. Os sportinguistas sofrem de amor, apesar de perderem ano após ano. Mas é uma espécie de amor não correspondido. Eles insistem em comer bifanas nas roulottes da segunda circular que estão ali para servir benfiquistas ou já teriam falido.
Eu sofro com eles. Tenho esta condescendência de mãe benfiquista que até a mim irrita. Devia ter coragem de brincar com o somatório de derrotas do Sporting desde que Ruben Amorim saiu do Sporting, mas não consigo. Deixou de ter graça para passar a ser sadismo. De repente o mundo sportinguista desabou porque o treinador saiu. Foi um sopro e uma maldade: não se sai assim de um clube como o Sporting nem um treinador como Ruben Amorim devia sair de lado nenhum. Treinar o Benfica é um emprego, treinar o Sporting é uma entrega.
Sim, sou má benfiquista. Sei o nome de mais jogadores do Sporting do que do Benfica, uma série de loirinhos a condizer que parecem um exército de vikings a combater o império Otomano. Nessa altura, quando o Sporting chacinava os adversários com a euforia própria de quem sabe o que é um fenómeno, cheguei a ter pena de não ser sportinguista, quase me emocionava com as músicas que querem todas dizer sangue, suor e lágrimas em futebolês. Os jogos tinham um ritmo poético e pareciam um bailado de passes que culminavam com golos do herói sueco deles. Gyökeres, de olhos esbugalhados encantou-nos. O meu filho mais novo, benfiquista fanático como só eles são, não conseguia disfarçar o fascínio pelo sueco. Mas nem era ele, afinal esteve sempre tudo nas mãos de um treinador. Um anti-herói sem truques nem currículo que construiu uma equipa de antivedetas assim como nos filmes. Nós, no Benfica, sabíamos que ia acabar assim porque os campeões são aqueles que o são apesar de tudo: de não termos músicas decentes, de não termos equipas que parecem a orquestra de Viena, de não termos treinadores que fazem chorar e que falam inglês ou de não sabermos quem são os jogadores.
Sou má benfiquista, eu sei. Deve ser porque sou mãe de sportinguistas e porque não há nada mais angustiante que ver a angústia dos nossos filhos. Não é justo que o principal rival do Benfica seja o Sporting: merecíamos poder não gostar do nosso inimigo.
Um amor não correspondido
Tenho esta condescendência de mãe benfiquista que até a mim irrita. Devia ter coragem de brincar com o somatório de derrotas do Sporting desde que Ruben Amorim saiu do Sporting, mas não consigo. Deixou de ter graça para passar a ser sadismo.