2024

A UE será a região geoestratégica mais duramente impactada por uma administração Trump

Este será a minha última crónica de 2024. Revisito os principais temas que me ocuparam durante o ano. As crónicas foram escritas ao sabor do momento, mas, em retrospetiva, agregam-se em torno de poucos tópicos.

Jogos de Soma nula
É como um jogo de soma zero que a esquerda tende a ver o capitalismo, em que mais para uns implica menos para os outros. Em nenhum aspeto esta mentalidade se se manifesta tanto como quando se discutem impostos. O enfoque é quase exclusivamente em aspetos redistributivos. A melhoria sustentada do nível de vida depende em grande medida da disponibilidade das pessoas para trabalhar e da sua capacidade de investir. Ora os impostos (e outras contribuições) – o seu nível e estrutura – têm um efeito significativo nos incentivos ao trabalho e ao investimento e, portanto, na prosperidade coletiva.

Contas certas
‘Contas certas’ é um daqueles sound bites sem suporte lógico que acaba infetando todo o debate público. (e empurrando ex-ministros para a Presidência). A ‘regra de ouro das finanças públicas’ não preconiza ‘contas certas’, mas, antes, que se deve emitir dívida apenas para financiar défices em conta de capital. Nos últimos 11anos o investimento em capital fixo das Administrações Públicas não chegou para cobrir o consumo desse capital (ou seja, para impedir a deterioração da capacidade produtiva dos bens de capital). Essa depreciação, que prejudica as gerações presente e as futuras, reflete-se na degradação dos serviços públicos e em coisas tão prosaicas como a fuga dos presos de Vale de Judeus.

Transformar a economia
Ao ritmo de crescimento deste século só em 2095 duplicaremos o rendimento médio que tínhamos em 2000. O crescimento requer uma estratégia, mas não necessariamente um plano. A transformação económica necessita de políticas consistentes e partilhadas durante um período prolongado. Mas não basta desenhar políticas modernas, inteligentes e, pelo menos no papel, transformadoras. É preciso ser capaz de as levar à prática. Contrapor às limitações reais do mercado uma visão mirífica das capacidades do estado não é o caminho. Nesta ânsia de transformação esquecemos a tese fundamental dos Nobel da Economia deste ano, de que as instituições económicas e políticas são a causa fundamental do crescimento económico de longo prazo, e colocamos todas as fichas em fundos europeus, megaprojetos e na obsessão com o turismo. Estes, como o ouro do Brasil no século XVIII, alimentam um estado administrativo poderoso, uma sociedade civil serviçal e dependente, uma classe rentista e um capitalismo de compadrio. Enfim, os inimigos do progresso.

Imigração
Não parece razoável ser a favor ou contra a imigração em absoluto. Depende das circunstâncias e dos números. A questão da imigração económica não é um problema moral, mas, antes, um problema de políticas públicas: que quantidade e que tipo (perfis profissionais, culturais e étnicos) de imigrantes são benéficos para o nosso país em cada circunstância, quais os melhores instrumentos para alcançar o nível e a composição desejadas, e como melhor promover a sua integração social. Sendo inegável algum nível de imigração necessário, deve-se procurar convergir para um programa de imigração norteado explícita e diretamente pelo benefício que ela pode trazer para os portugueses.

América e Europa
A UE será a região geoestratégica mais duramente impactada por uma administração Trump. Os planos de resposta europeia concentram-se em duas frentes a defesa e o crescimento económico. Todos estes planos, desde do relatório Draghi ao maior investimento em defesa, fazem sentido e são adequados. Contudo, têm todos uma pecha fundamental que é a desvalorização de que a União Europeia é uma União de estados soberanos, com séculos de independência, e de povos cuja primeira lealdade é à sua própria pátria. Sem uma maior união política (para a qual não existe qualquer apetite) a resposta europeia será sempre pífia.