No terreno, as notícias dizem-nos que a Rússia está a ganhar a guerra na Ucrânia. Mantém a Península da Crimeia, que ‘ocupou’ em 2014, controla a quase totalidade do Donbass, e rechaçou as contraofensivas ucranianas. Perdeu alguns quilómetros quadrados do seu território, mas parece irrisório, face às dificuldades do adversário.
A movimentação de Prygozhin, de junho de 2023, e os receios de então, parecem já distantes. Porém, se ponderarmos para além da espuma, a questão não é bem o que parece.
Quando, em fevereiro de 2021, a Rússia deu início à sua ‘operação militar especial’, a perspetiva era que em poucos dias o poder ucraniano sucumbiria, transformando-se em mais um Estado fantoche. A Rússia, nascida de Kiev, teria então a sua segurança garantida no flanco sul, juntando posteriormente à festa a Moldova, que seria transformada numa vasta Transnístria (região daquele país que declarou independência em 1990, com apoio russo).
Todavia, a história não foi assim. A operação militar especial, que deveria ter sido de dias, está prestes a representar 3 anos. A potência não era tão potente quanto julgava ser, mas teve as suas consequências. A Europa está mais dividida e fragilizada, perdeu o gás russo para novas geografias e novas e velhas fontes de energia, acabando com a dependência energética, mas ‘gripando’ o motor alemão numa longa recessão, que como sempre gera crise política.
A derrota estratégica russa é cada vez mais não apenas russa, mas também europeia, entregando a União progressivamente nos braços dos populistas de direita.
No início da guerra, sabia-se que dificilmente um país em diminuição demográfica como a Rússia, e com um produto interno bruto similar ao italiano ou espanhol, poderia ser uma verdadeira potência. Agora sabemos também das dificuldades em repor arsenais e que, ainda que viva em economia de guerra, não consegue produzir o suficiente para o esforço de guerra, como também necessitou de apoio da Coreia do Norte para a frente. A ‘exportação’ de 10 mil homens para combater os ucranianos dá nova dimensão àquele país, mas é também prova de dificuldade russa.
Paralelamente, também a opção por não interferir na queda do regime aliado sírio (seu e do Irão), decorre também da dificuldade de desviar recursos do fundamental para o supérfluo. Vão-se os anéis.
A vitória de Trump significará sempre maiores dificuldades para os ucranianos. Os EUA não poderão retirar o apoio total à Ucrânia, tenderão sobretudo a cobrar mais caro o apoio ao seu esforço de guerra. Trump é transacional mas não será tolo: a Rússia não pode ter uma derrota total, mas também não pode ter uma vitória total.
Na realidade, o que verdadeiramente se extrai do conflito ucraniano, é o acentuar da disputa estratégica conhecida do século XXI, entre EUA e China. Mesmo que os últimos aparentem estar em crise económica, e previsivelmente social, com uma multidão de desempregados jovens, a realidade é que, enquanto a Europa definha com a perspetiva de ter de investir recursos em defesa e os EUA estão entretidos em saber como resolver o conflito ucraniano, a China está focada na resolução dos seus problemas internos.
O meu primeiro artigo para este jornal chama-se Enquanto dormíamos, este deveria chamar-se Enquanto vivemos o nosso pesadelo. Bom Ano.
O que a Rússia trouxe ao mundo com a guerra na Ucrânia
Trump é transacional mas não será tolo: a Rússia não pode ter uma derrota total, mas também não pode ter uma vitória total.