Sempre melhor,
por Pedro Santana Lopes
Não fosse Camarate teria governado até 84 e provavelmente teria sido Presidente em vez de Sampaio.
O Dr. Francisco de Sá Carneiro teria completado este ano 90 anos. O tempo vai passando, já passaram 44 anos desde a sua morte, na tragédia de Camarate. Já é difícil, como é evidente – e nunca gostei de o fazer –, conjeturar sobre o que faria Francisco de Sá Carneiro se fosse vivo. Para já, naturalmente hoje em dia estaria a retirar-se, mas se olharmos um pouco para as décadas anteriores, eu atrevo-me a admitir que se Francisco de Sá Carneiro tivesse continuado vivo depois de ganhar as eleições legislativas de Outubro de 1980 e se tivesse aceitado continuar no Governo, apesar da vitória do General Eanes, dois meses depois, governaria, pelo menos, até 1984, a pouco tempo de eleições presidenciais. Recordemos que, em 1985, Cavaco Silva ganhou o congresso da Figueira da Foz propondo Diogo Freitas do Amaral como candidato do Centro/Direita. Se Francisco de Sá Carneiro tivesse continuado primeiro-ministro podia ganhar as eleições de novo e ir até 88, ou ser ele o candidato em vez de Freitas do Amaral. Tudo poderia ter sido diferente. Não seria provável porque teríamos conselho da revolução até 82, e os tempos eram de facto difíceis, mas era possível. Sá Carneiro poderia ter sido candidato às presidenciais em 85-86 contra Mário Soares. Estou convencido de que Mário Soares ganharia e faria, portanto, os dois mandatos que fez até 1995. A questão está em que talvez a seguir a Mário Soares não fosse Jorge Sampaio. Talvez Francisco de Sá Carneiro fosse o Presidente da República se tivesse paciência e vontade de continuar na vida política, com a sua relação com Snu Abecassis. Sim, podia ter sido Presidente de República de 95 a 2005, exatamente como foi Sampaio. E aí provavelmente Sampaio seria a seguir e o grande prejudicado talvez tivesse sido Aníbal Cavaco Silva. A culpa não é dele e o facto é que ele foi até hoje, por mérito próprio, o dirigente político que mais tempo esteve no poder e com 4 maiorias absolutas e um governo minoritário. Esteve 22 anos no poder, é absolutamente impressionante. Mas repito, se Sá Carneiro tivesse continuado vivo, era ele o líder do Centro/Direita e Cavaco Silva não teria tido as mesmas condições para se afirmar, julgo eu (e outros que já assim o escreveram). E, portanto, a história do sistema político português teria sido bastante diferente porque Francisco de Sá Carneiro preocupava-se muito com a questão do sistema político, do seu modelo, das suas regras de funcionamento, do sistema de governo, do sistema eleitoral, enquanto Cavaco Silva, mais pragmático, governa e governaria com o sistema que tinha. Não é propriamente um reformador nesse plano, foi um reformador, sim, no fomento, no desenvolvimento, no progresso, na construção de infraestruturas e equipamentos por todo o País. Correspondendo ao amável convite do Nascer do Sol, é este exercício que faço, de ficção retrospetiva. Não sei se com Sá Carneiro hoje vivo teríamos Luís Montenegro, Pedro Nuno Santos e André Ventura, Mariana Mortágua e Paulo Raimundo. Talvez, mas, entretanto, nestes mais de 40 anos anteriores, nem tudo tivesse sido como foi. Seguramente que não seria. Melhor? Pior? Como calculam, na minha opinião, teria sido melhor. Sempre melhor, com Francisco de Sá Carneiro.
Um Governo longe demais,
por José Ribeiro e Castro
Foi com a AD que expressões como ‘libertar a sociedade civil’ e ‘realizar reformas estruturais’ entraram para o léxico político corrente.
O governo Sá Carneiro, em 1980, é inesquecível. Faz hoje 45 anos que tomou posse. Foi o primeiro nalguns ângulos e, às vezes, inteiramente único.
Foi o primeiro governo à direita do PS saído de eleições. Quatro anos depois do PREC de 1975, diríamos ser totalmente improvável. A estratégia da Aliança Democrática, com listas conjuntas, provou ser absolutamente acertada. PSD, CDS e PPM venceram, elegendo 128 deputados. A oposição (PS, Aliança Povo Unido UDP) ficou-se pelos 122. Mas esta foi a única eleição na nossa história, em que a oposição somada teve mais votos e percentagem mais elevada do que o vencedor. A AD recolheu 2 719 208 votos (45,0%); a oposição obteve 2 902 300 votos (48,3%). Ninguém levantou problemas. A democracia foi cumprida, expressando-se nos mandatos conquistados. Mas o claro é que, se não fossem as listas conjuntas (tema que muito dividiu o PSD), a AD teria perdido e dela nunca mais se ouviria falar. Em vez de um vencedor histórico, seria mais um vencido.
Foi o primeiro (e único, até hoje) que apresentou moção de confiança logo após o debate do Programa de Governo. Fortaleceu a coesão das bancadas PSD/CDS/PPM. E reforçou a imagem de coesão.
Foi um governo saído de eleições intercalares, o único nesse regime constitucional. Na altura, se se convocava eleições por dissolução da Assembleia da República, o mandato do novo Parlamento concluía o do anterior, não iniciava novo mandato de quatro anos.
Foi, por isso, um governo de combate. Não tinha mais de nove meses para mostrar o que valia. Tendo tomado posse a 3 de Janeiro, iria de novo a votos a 5 de Outubro. Venceu a prova: nas urnas, subiu para 2 868 076 votos (47,6%) contra 2 765 988 votos (45,9%) da esquerda. Com mais 100 mil votos do que a oposição, a AD consolidou a liderança: elegeu 134 deputados contra 116 dos partidos de esquerda.
Principais figuras do governo eram Sá Carneiro, Freitas do Amaral (vice-primeiro-ministro e Negócios Estrangeiros), Pinto Balsemão (ministro-adjunto), Amaro da Costa (Defesa Nacional), Eurico de Melo (Administração Interna), Cavaco Silva (Finanças e Plano). Afirmou como princípios norteadores o reforço da democracia representativa, exercício responsável do poder, respeito pela legalidade, resposta aos desafios económicos, a transformação da sociedade e visão para o futuro. Respondeu com firmeza à invasão do Afeganistão pela URSS e, em cerca de seis meses, recuperou dos atrasos acumulados no processo de adesão de Portugal à, então, CEE. Na Saúde, Morais Leitão iniciou a implementação do SNS, criado por lei de Setembro de 1979. Expressões como «libertar a sociedade civil» e «realizar reformas estruturais» entraram para o léxico político corrente. Aspirava antecipar a revisão constitucional que afastasse as amarras não-democráticas dos Pactos MFA/Partidos contrárias ao quadro vigente na Europa democrática, o que poderia penalizar-nos no momento de entrar. Era um governo com os olhos no futuro de Portugal. E era uma maioria bem liderada e com a confiança em alta, que cada vez mais falava na institucionalização da AD.
Em Dezembro, de repente, chegou a tragédia e uma derrota. No dia 4, Sá Carneiro e Amaro da Costa perdem a vida no atentado de Camarate, junto com os que seguiam no avião. No dia 7, Ramalho Eanes é reeleito Presidente da República, perdendo o candidato da AD (Soares Carneiro). A situação política sempre teria conserto, de algum modo. Mas a morte de dirigentes de tão forte carisma, como Sá Carneiro e Amaro da Costa, revelar-se-ia irremediável.
A AD rompeu-se dois anos depois. E caiu. A sua visão fora para longe demais.