A Taluda do Natal

Na operação da PSP no Martim Moniz, o Governo ganhou votos à direita e à esquerda. À direita, porque a autoridade do Estado é um dos temas mais explorados por essa área. À esquerda, porque muitos dos votantes no PS não querem a desordem.

A ministra da Administração Interna afirmou que a operação policial no Martim Moniz foi decidida e planeada pela PSP, e não é legítimo duvidar da sua palavra. Mas é lícito pensar que o Governo foi previamente informado e não levantou objeções, pelo que foi corresponsável pela operação. O que Luís Montenegro não podia adivinhar era a tempestade política que ela provocaria.

Pedro Nuno Santos não poupou nas palavras: declarou-se «envergonhado e revoltado», considerou a iniciativa «chocante», e foi almoçar ao Martim Moniz com o presidente da junta de freguesia e com o líder da comunidade do Bangladesh.

O Bloco de Esquerda, o PCP e o Livre também se indignaram, e ouviram-se acusações de «racismo».

Ora, por cada crítica da esquerda à operação policial no Martim Moniz, o Governo ganhou umas centenas ou milhares de votos.

Porquê?

Porque, salvo os eleitores muito politizados e enfeudados a partidos, que seguem religiosamente as palavras dos líderes, as pessoas concordaram com a operação.

A esmagadora maioria dos cidadãos não gosta de confusões, de balbúrdias, de barafundas, pelo que não vê a Polícia como inimiga – vê-a como uma força indispensável para manter a ordem pública.

E nessa medida não concorda com os ataques à PSP ou a outra força de segurança.

Atrevo-me, pois, a dizer que as críticas dos líderes políticos à atuação policial não terão tido grande apoio.

Pelo contrário: correram o risco de serem vistas como coniventes com a delinquência que existe naquela zona.

Na operação da PSP, o Governo ganhou votos à direita e à esquerda.                  

À direita, porque a autoridade do Estado (ou a falta dela) é um dos temas mais explorados pela direita extremada. A partir do momento em que o Governo assume essa causa, são uns votos que rouba ao Chega.

À esquerda, porque muitos dos votantes no PS não gostam de um poder fraco e permissivo, não querem a desordem. Assim, mesmo não se manifestando, acharão exagerados ou mesmo despropositados os ataques à operação feitos por Pedro Nuno Santos.

Com os meus alunos da Universidade Católica, eu fazia a seguinte reflexão: nenhuma democracia resvalou para a ditadura por excesso de autoridade, mas muitas democracias acabaram em ditaduras por falta de autoridade.

Nenhum Governo democrático deve, pois, abdicar de exercer a autoridade do Estado.

Fazê-lo, é defender a democracia – não é atacá-la.

Aliás, se Pedro Nuno Santos fosse primeiro-ministro, não tenho dúvidas de que o faria, até porventura com alguns tiques de autoritarismo.

As críticas que fez foram uma mera encenação – que a meu ver se virará contra ele.

Mas a operação policial no Martim Moniz convida-nos a outra reflexão, de natureza diferente.  Existe a ideia de que, enquanto a esquerda ‘fala’, a direita ‘faz’.    

Ora, este caso foi exemplar a esse respeito: a esquerda falou, barafustou, clamou, ao passo que o Governo agiu. Para as pessoas comuns, pouco interessa quem decidiu a operação: o que elas viram foi os líderes de esquerda a protestarem e a PSP a agir, sob as ordens de um Governo dito de direita.

Luís Montenegro, que recusou uma coligação com o Chega, está a tentar enfraquecê-lo roubando as suas bandeiras.

Durante anos, o centro-direita foi sendo esvaziado em toda a Europa por não ser capaz de dar resposta a preocupações dos cidadãos em temas como a autoridade do Estado, a imigração desregulada ou, mais recentemente, o wokeismo.                     

Montenegro parece ter percebido este erro – e paulatinamente tem ido enfrentando estes problemas. E o paradoxo é que, ao fazê-lo, ao retirar bandeiras à direita, o PSD pode ganhar simultaneamente votos à esquerda – porque muitos eleitores de esquerda querem a ordem e não a desordem, querem uma imigração regulada e não desregulada, e discordam de muitos exageros do politicamente correcto.

Como é fácil ver nas reações nas redes sociais, a afirmação da autoridade do Estado que a operação da PSP no Martim Moniz significou foi apreciada por muita gente.

E as críticas violentas que a oposição lhe fez acabaram por funcionar como publicidade gratuita – aumentando enormemente a visibilidade de uma iniciativa que, se não tivesse tido eco, não teria um décimo do impacto.

Por isso, repito: o Governo deve ter ganho muitos votos com esta operação.

Pode dizer-se que neste Natal a Taluda saiu a Montenegro.

jose.a.saraiva@nascerdosol.pt