Saúde: avanços de 2024 e desafios de 2025

2024 trouxe alguns avanços no setor da saúde mas ainda há problemas a resolver. Importa criar uma unidade técnica de apoio aos CRI, faltam médicos de família e continua a haver urgências fechadas. O que esperar de 2025?

Urgências com longas filas de espera, milhares de utentes sem médico de família, grávidas atendidas por telefone… Estes são alguns dos problemas identificados ao longo de 2024 e que não deverão estar totalmente resolvidos em 2025. Foram feitos ajustes nos salários dos médicos e dos enfermeiros, e soube-se que as famílias com grávidas ou doentes crónicos e crianças até aos 12 anos vão ter prioridade na atribuição do médico de família.

O Nascer do SOL ouviu alguns responsáveis do setor para saber o que esperar para o próximo ano. «Os Centros de Responsabilidade Integrados (CRI) são um dos pilares mais importantes na reforma da Saúde», começa por defender João Varandas Fernandes, presidente da CCRIA –  Convergência dos Centros de Responsabilidade Integrados Associação, criada há pouco mais de um ano.

Um dos maiores desafios na saúde, considera o médico, «é dar autonomia às unidades hospitalares e aos cuidados primários de saúde, responsabilizando e tornando isso possível através de um cumprimento contratual do incremento de incentivos». Varandas Fernandes diz que «se não fizermos modelos de gestão alternativos no SNS, o SNS obviamente que mantém os mesmos dramas que se mantêm desde há décadas».

Ao nosso jornal, recorda que os Centros de Responsabilidade Integrada (CRI), dos quais é presidente, «são unidades dentro dos hospitais que funcionam por um padrão de contrato que é estabelecido com o conselho de administração dessa unidade hospitalar, contrato esse que é por três anos, que tem metas, indicadores de desempenho e, associado aos indicadores de desempenho, tem o cumprimento dessas metas, indicadores e incentivos. E tem autonomia de gestão».

Acabar com as listas de espera é imperativo, assim como ter médico de família. Solução? «É preciso criar modelos de gestão alternativa que podem não ser todos iguais nos hospitais e nos cuidados primários de saúde. Modelos de gestão esses que têm a ver com autonomia, responsabilidade e incentivos. E tem a ver com cumprimento do contrato estabelecido com os conselhos de administração». Só dando autonomia a esses profissionais, defende, «é que podemos, dentro de certa medida, atenuar neste momento o problema que existe desde há décadas no SNS».

E nota que a falta de recursos humanos mas não se verifica em todos os serviços. As urgências são um dos maiores problemas mas o médico, que já foi diretor de urgência do hospital de São José, recorda que nessa altura – há cerca de 24 anos – implementou a triagem de Manchester – «uma triagem feita pelo grau de gravidade, quando até aí era feita pela hora de entrada». Por isso, diz que «os profissionais precisam, nas urgências, de ter autonomia, de se poderem organizar mas ao mesmo tempo precisam de ter modelos de urgência alternativos em termos de gestão que tem que ser complementados e integrados com os cuidados primários de saúde», defendendo que os modelos de urgência «têm que estar integrados com os cuidados de saúde primários. Mas têm que estar integrados não é na teoria, é na prática. Os CRI têm, nos seus serviços hospitalares, várias especialidades a trabalhar em benefício do doente».

Varandas Fernandes diz ainda que a falta de cuidados primários na saúde ou a falta de consultas pode resolver-se. «Não quer dizer que os modelos de gestão nos hospitais e nos cuidados primários de saúde sejam todos iguais. Deve haver vários modelos de organização e de gestão que, ao final de uns tempos, vão ser auditados, vão ser comparados, e ver-se quais são aqueles que resistem mais, que dão melhor resposta».

O mais importante, acredita, são os modelos de gestão. E por isso já pediu à associação um estudo que será entregue assim que for agendada uma audiência com a tutela sobre a organização e gestão dos centros de responsabilidade integrados. «Porque já existem umas dezenas largas de centros de responsabilidade integrados e eles não estão a ser uniformes no seu funcionamento. Há que perceber porquê, há que analisar, há que provavelmente até criar a nível governativo uma entidade que organize, dinamize e implemente estes vários modelos de gestão em que estão os CRIs. Há outros. Mas este [responsabilidades integradas] é o que neste momento está mais na voga, está mais em cima da mesa, porque dá responsabilidade, autonomia e incentivos», diz ao Nascer do SOL. Todos beneficiam: «Os doentes, os profissionais e as instituições. Isto tem que ser uma gestão em que toda a gente saia beneficiada».

Aumentos dos salários dos médicos

Mesmo a terminar o ano, o Sindicato Independente dos Médicos (SIM) e o Governo chegaram a acordo nas negociações sobre a carreira, que prevê um aumento salarial médio de 10% até 2027. O acordo, segundo o SIM e o Governo, contempla o aumento salarial e reposição de poder de compra,  fim da discriminação em contratos individuais de trabalho, redução progressiva do trabalho em urgência, entre outras. E  foi ainda determinada a abertura todos os anos de 350 vagas, entre 2025 e 2028, para concursos de assistentes graduados sénior. Ou seja, mais 1400 vagas.

Mas nem todos estão satisfeitos com. A Federação Nacional dos Médicos considerou este acordo uma «traição» por não ter sido ouvida pelo ministério de Ana Paula Martins. «A relação do Ministério de Saúde com o Serviço Nacional de Saúde e com os médicos é que não está muito bem», começa por dizer a presidente da FNAM, Joana Bordalo e Sá ao Nascer do SOL. E explica a sua posição: «Este Ministério da Saúde não está a reforçar o Serviço Nacional de Saúde com os vários profissionais de saúde como deveria e como lhe competia. Não tem nem essa vontade política nem essa competência».

Para Joana Bordalo e Sá, «o Ministério da Saúde de Ana Paula Martins está a deixar os médicos para trás e no fundo acaba por fazer uma grande traição à classe médica em geral mostrando um profundo desrespeito, primeiro por recusar sentar-se à mesa com a Federação Nacional dos Médicos que é a estrutura sindical que mais médicos representa no SNS, apesar de reiteradamente termos enviado missivas para dar continuidade ao processo negocial», algo que levou a associação a acionar a DGES e o Ministério do Trabalho para dar continuidade a todo o processo negocial. «Aquilo que o Ministério da Saúde propõe aos médicos em termos salariais é completamente insuficiente para termos mais médicos no SNS. E aqui tenho que ser muito clara: os médicos perderam 20% do seu poder de compra na última década. Se pudessem ter uma atualização salarial que fosse justa e que fosse séria ainda em 2024, essa atualização tinha que ser de 20% do salário base. No entanto, o que o ministério da Saúde de Ana Paula Martins propõe é um aumento de 10%, metade, ainda por cima faseado nos próximos três anos. Nem sequer contempla os valores da inflação. Isto não é ser sério», diz, acusando o acordo de «desrespeito profundo por todos os médicos que trabalham no SNS».

A responsável antevê, pois, que vai ser muito difícil «não assistirmos à desgraça que são os serviços de urgência». E enumera: «Quase 1,7 milhões de utentes sem médico de família, urgências encerradas sobretudo na pediatria e na obstetrícia, obrigando grávidas e os seus bebés a correrem tantos e tantos quilómetros para serem atendidos ou então crianças e grávidas a ficarem reféns de linhas telefónicas».

Para 2025, não se perspetivam melhoras, «tendo em conta a falta de soluções e o facto de o ministério de Ana Paula Martins não permitir um bom acordo para todos os médicos seja em termos das condições salariais, seja em termos mesmo das próprias condições de trabalho», acusa. «Não se dignou a rever a nossa jornada de trabalho semanal tendo em vista as 35 horas para ficarmos iguais ou pelo menos mais parecidos com o resto da administração pública porque nós somos os únicos a trabalhar 40 horas mais as centenas e centenas de horas extraordinárias que fazemos por ano».

Para a responsável, não é apenas a questão salarial mas também as progressões de carreira que não estão salvaguardadas. «Sem isto não vamos conseguir ter mais médicos no SNS e o responsável tem um nome: ministério da Saúde de Ana Paula Martins que, no fundo, deixa mesmo para trás os médicos e não está a ter uma atitude para, de facto, conseguir reforçar os quadros do SNS».

Enfermeiros mais ou menos satisfeitos

Quem faz um balanço positivo de 2024 mas deixa alguns remoques para 2025 são os enfermeiros. Ao Nascer do SOL, Luís Filipe Barreira, bastonário da Ordem dos Enfermeiros, diz ao nosso jornal que um dos aspetos mais positivos de 2024 «foi, de facto, o acordo alcançado com o Governo que prevê aumentos salariais de forma faseada para os enfermeiros até 2027», defendendo que é algo que a classe esperava há muito, tendo em conta que não eram aumentados há cerca de 20 anos.

E acrescenta: «Fala-se muito na questão das maternidades, mas na área da saúde infantil e pediátrica também foi feito um trabalho importante do reconhecimento das competências destes enfermeiros especialistas, quer dos enfermeiros de saúde materna e obstétrica, quer os da saúde infantil e pediátrica», defendendo que se começou a trilhar «um caminho que é muito importante e que permitirá aos enfermeiros colocarem as suas competências ao serviço do país».

Para o ano que agora começa, o bastonário espera que as reformas «que têm sido instituídas mais agora no final deste ano de 2024 em 2025 surtam algum efeito», lembrando que existe um problema sério que tem a ver com a falta de 14 mil enfermeiros só no SNS. «Era urgente fazer-se um levantamento destas necessidades de contratação, alterar política de contratação. São necessidades permanentes. Era uma das medidas importantes para 2025», defende. Por outro lado, diz que é importante não esquecer os enfermeiros que estão no privado e militar «que precisam também de ver as suas carreiras melhoradas, adequadas e equiparadas aos enfermeiros que estão no SNS».

Além disso, Luís Filipe Barreira diz que há ainda a questão do internato da especialidade «que é uma necessidade também para a profissão e para o país e que espero que em 2025 se possa concretizar de uma vez por todas».

Gostava ainda que se o modelo assistencial fosse repensado. «Continua a estar muito centrado nos hospitais e que nós, para conseguirmos, de facto, aliviar os serviços de urgência dos hospitais, temos que ter cuidados de proximidade na comunidade. A questão da valorização dos cuidados domiciliários, um investimento muito maior na prevenção da doença e na promoção da saúde. No fundo, reforçar os cuidados de saúde primários, reforçar os cuidados de proximidade no sentido de conseguirmos aliviar a sobrecarga que acontece nos hospitais», finaliza.