Os anos novos ficam velhos num instante. Empurramos o tempo com a barriga numa espécie de alergia ao presente. Passamos para 2025 e já estamos a pensar em 2026. E quando chegamos a 2026 parece que já lá estivemos. Cada ano chega estafado a dezembro. E com razão, coitados. É uma sina isto de teimarmos viver antes de tempo. Gostamos mais de viver de projetos e sonhos, de viver na teoria, do que viver a realidade, o presente. O presente dá imenso trabalho, temos de fazer, ler, trabalhar, cozinhar, sorrir, arrumar, conversar, fazer coisas que nos apetece apesar de fazermos imensas coisas de que gostamos. Mas é mais divertido, mais animado, projetar viagens, sonhar que se vai ganhar o euromilhões ou imaginar que é este ano que se vão perder 10 quilos. Cada passa é um quilo, as outras duas ficam para o euromilhões e para a viagem.
Tenho sempre pena do ano que passa. Se são anos bons, fica a fazer-me falta; se é um ano mau, fico com pena dele: no fundo não tem culpa de ter sido no seu tempo que desgraças e infelicidades aconteceram. Os miúdos de hoje não dizem as idades uns dos outros, sabem o ano de nascimento uns dos outros. Ele adoram anos. O João é de 2002, a Maria é de 06 ou de 07, não sei bem. Temos de fazer contas quando lhes perguntamos a idade. Achei que isto era coisa dos mais velhos. Daqueles que nasceram em épocas que são históricas, de guerras ou revoluções que se estudam. Mas não, os miúdos fazem o mesmo, já ninguém tem 18 anos ou 20 e todos nasceram depois de 2000. Parece que não mas estamos tão longe do 25 de Abril quanto 1990 estava no início da II Guerra Mundial. Nas passagens de ano faço sempre contas assim: deprimentes. Contas que mostram que o tempo passa e damos por isso.
Em 2025 já devíamos viver em Marte, os carros eram voadores, os robôs deviam andar pelas ruas como seres autónomos, a comida não era verdadeira comida, não havia modas e todos nos devíamos vestir com fatos de astronautas, falava-se por telepatia e era suposto já ter havido um dilúvio, o planeta estar congelado ou vivermos em cápsulas para nos protegeremos do ar contaminado por um holocausto nuclear ou parecido. Crescemos com filmes que nos diziam que seria assim. Mas não. O mundo teima em ser mundo, as modas insistem em mudar e a tragédia universal continua a ser uma ameaça que serve de argumento para filmes, livros e debates filosóficos. O presente não nos dá tréguas. Era suposto já ter visto um OVNI ou extraterrestres. Mas nada. Apenas temos a inteligência artificial para dar alguma consistência a todas as obras de ficção científica que nos ajudaram a crescer e a ter medo do futuro.
Já ninguém liga a séries de ficção científica. Deve ser por não ser ficção ou por estar tudo dito. As séries são sobre o passado, sobre guerras inventadas e romanceadas, sobre mundos que não existem e fantasia que vem das lendas. Não há naves espaciais nem planetas dos macacos. Já não pega. Os mais novos gostam mais do presente do que os mais velhos que continuam a sonhar com o euromilhões, a ver óvnis nas planícies alentejanas e a fugir do dia-a-dia que não é novo. Comemorar o ano novo é brindar a mais um ano de mundo. E isso é bom. As passas deviam ser para agradecer cada mês que passou. Obrigada 2024, foi um gosto.
Os anos que passam
Comemorar o ano novo é brindar a mais um ano de mundo. E isso é bom. As passas deviam ser para agradecer cada mês que passou. Obrigada 2024, foi um gosto conhecer-te.