O regresso de Donald Trump à Casa Branca tem sido celebrado por uns e lamentado por outros. O que é certo é que mesmo antes de tomar posse, as movimentações a nível internacional já são bastante visíveis. As mais recentes declarações do Presidente-eleito, onde colocou a possibilidade de anexar o Canadá, o Canal do Panamá e a Gronelândia. Tinha também já declarado guerra comercial aos países vizinhos, o Canadá e o México, caso não cumprissem as exigências americanas em matéria de imigração ilegal e de tráfico de droga. Um discurso que entra na lógica do lema “America First” (América primeiro), utilizado por Presidentes de vários partidos desde meados do século XIX.
Mas será tudo isto o verdadeiro ressuscitar do expansionismo americano, ou apenas uma disseminação do medo pelos vizinhos como forma de satisfazer os interesses dos Estados Unidos em detrimento dos outros países? Fareed Zakaria classifica Trump como um «oportunista» que não acredita em situações «win-win», apenas «win-lose». Esta visão das relações internacionais como um jogo de soma zero, leva os observadores, e os próprios países envolvidos, a temer a presidência de Trump – uns mais que outros. Há pretensões que poderão, sim, ser realizadas. Outras não.
O caso do Canadá
A 25 de novembro de 2024, Donald Trump ameaçou a imposição de uma tarifa às importações de produtos canadianos na ordem dos 25%, caso não cumprissem as exigências anteriormente mencionadas. Esta situação levou o primeiro-ministro do Canadá, Justin Trudeau, a deslocar-se a Mar-a-Lago, residência oficial de Trump. A ameaça levou à demissão da ministra das Finanças de Trudeau e ao consequente enfraquecimento de um Governo que já está em fase terminal.
Segundo a FoxNews, na visita à mansão de Trump, o Presidente-eleito propôs a Justin Trudeau que o Canadá se tornasse no 51.º Estado dos Estados Unidos, procedendo a referir-se ao primeiro-ministro como Governador Trudeau em publicações nas redes sociais.
A intenção de anexação do Canadá não passa de uma provocação de Donald Trump a Trudeau, com o objetivo de o debilitar ainda mais perante a opinião pública, já que é uma ação implausível. O que realmente deverá acontecer é uma vitória esmagadora do Partido Conservador do Canadá nas eleições marcadas para outubro, e Pierre Poilievre deverá retomar as boas relações do país com os Estados Unidos de Trump, dada a (muito) maior proximidade ideológica. É importante relembrar que o ex-Presidente americano já tinha apelidado Justin Trudeau de «lunático de extrema-esquerda» dada a sua linha de ação alinhada com o wokeísmo, uma doutrina sociocultural que Trump combate vivamente.
Um passo atrás no Canal do Panamá?
Com vista a facilitar o comércio entre o Oceano Atlântico e o Pacífico, no início do século XX, os Estados Unidos empreenderam um projeto no Panamá e apoiaram a sua independência, livrando os panamenhos do jugo colombiano. Em 1903, o francês Philippe Bunau-Varilla, um engenheiro francês, assumiu o cargo de Enviado Especial e de Ministro Plenipotenciário neste novo território independente, procedendo à celebração de um contrato com o então Secretário de Estado americano John Hay que daria aos Estados Unidos a jurisdição da terra onde seria construído o Canal do Panamá. Um pagamento de 10 milhões de dólares e uma anuidade de 250 mil dólares eram também alíneas do tratado.
Mesmo tendo sido considerado uma proeza histórica americana em termos tecnológicos e diplomáticos, o controlo do Canal por parte dos Estados Unidos foi um elemento de fricção nas relações dos EUA com o Panamá nas décadas que se seguiram, como nota o arquivo histórico do Departamento de Estado americano. É em 1977 que se marca o virar de página. O Presidente Jimmy Carter, falecido aos 100 anos nesta semana, celebrou um Tratado com o então Presidente do Panamá, Omar Torrijos, que abriu o caminho para o fim do controlo americano na região, tendo sido ratificado pelo Senado americano um ano mais tarde. O Canal voltou a ser parte do território do Panamá a 31 de dezembro de 1999.
Vinte e seis anos depois, Donald Trump abre novamente uma ferida que parecia fechada desde esta última data. O objetivo do próximo Presidente americano passa pela redução das taxas pagas pelos navios americanos no momento de atravessar o Canal. Trump considera que o ponto estratégico é «um bem nacional vital» e deixou um aviso às autoridades panamenhas: «Por favor, guiem-se em conformidade [com as exigências americanas]».
Uma “necessidade absoluta”
A Gronelândia é o terceiro território que entra nas pretensões de Donald Trump. «Para efeitos de segurança nacional e liberdade em todo o mundo, os Estados Unidos da América consideram que a posse e o controlo da Gronelândia são uma necessidade absoluta», disse o Presidente-eleito. Mas porquê? E será possível satisfazer este desejo?
O argumento de que o território da Gronelândia, onde os EUA possuem já uma base militar, é de extrema importância para a segurança dos Estados Unidos é factual. Segundo a Força Espacial americana, a base de Pituffik, construída durante a Guerra Fria, é estratégica para a condução de missões de defesa antimíssil e de vigilância espacial. Mas será necessário anexar todo o território, que é parte integrante da Dinamarca, apenas por este motivo? É provável que Donald Trump esteja com os vastos recursos naturais também em vista.
Por coincidência, ou não, o ministro da Defesa dinamarquês, Troels Lund Poulsen, anunciou um reforço militar para a Gronelândia que acresce ao valor de 1500 milhões de dólares e afirma que o plano já estava pensado antes das declarações de Trump, ao que chamou «ironia do destino». É de notar que Trump não é o primeiro Presidente americano a tentar a compra do território. Andrew Johnson, na década de 1960, e Harry S. Truman, após a Segunda Guerra Mundial, já tinham tentado a aquisição do território gelado. O primeiro-ministro da Gronelândia avisou: «Não estamos nem nunca estaremos à venda».
Em relação ao histórico de aquisição de território por parte dos Estados Unidos – cuja última compra foram as Ilhas Marianas, as Ilhas Carolinas e as Ilhas Marshall –, há dois momentos de dimensão territorial e política superiores. Em 1803, a compra do território do Louisiana à França, e em 1867, a compra do Alasca à Rússia. A primeira aumentou o território dos Estados Unidos em cerca de 2 milhões de quilómetros quadrados. A segunda «pôs fim à presença da Rússia na América do Norte e garantiu o acesso dos EUA à orla norte do Pacífico», lê-se no Arquivo Histórico do Departamento de Estado.
Assim, o sonho expansionista anunciado por Trump não dá sinais de que será tornado realidade, sendo por isto menos arriscado considerar que será utilizado como alavancagem na hora de negociar os melhores termos possíveis para os Estados Unidos após assumir de novo a presidência a 20 de janeiro de 2024.