“O século XX foi principalmente um século de crescimento populacional, o século XXI será de envelhecimento populacional”. A frase é do demógrafo Chris Wilson e mostra bem a realidade. Em Portugal, a população está a envelhecer e o nosso país é um dos mais envelhecidos da União Europeia. A tendência – que não é nova mas que se tem vindo a agravar ao longo dos anos – acarreta responsabilidades e traz consigo vários desafios. É certo que é bom perceber que vivemos mais tempo mas é preciso adaptação a essa realidade, encontrar formas de responder às necessidades do idosos, aumentar a oferta de instituições que ajudem nos seus cuidados, permitir que passem mais tempo com a família, entre outros.
O Governo tem avançado com algumas medidas para tentar ajudar a população mais idosa e em outubro do ano passado aprovou um pacote de medidas dedicadas à população idosa. O destaque vai para a criação do Estatuto da Pessoa Idosa, “que visa garantir um envelhecimento ativo e valorizado, assegurando maior dignidade e inclusão para os mais velhos”, diz o Governo.
Entre as medidas estão o apoio domiciliário, com o objetivo de impulsionar acesso a serviços que articulem a prestação de cuidados médicos e de enfermagem, psicologia, fisioterapia, estimulação cognitiva, sensorial e motora, bem como o apoio à atividade quotidiana; havendo também benefícios na saúde com “acesso facilitado a medicamentos e outros benefícios de saúde para a pessoa idosa em situação de carência económica”. O Governo destaca ainda habitação digna e adequada e reforço de garantia da não-discriminação de arrendatários idosos.
Entre as medidas está ainda o voluntariado sénior “em ações de interesse social e comunitário, como projetos e programas” ou a academia sénior que pretende promover o acesso à educação, entre outras.
A estas medidas junta-se a atualização das Pensões no ano imediatamente seguinte ao da sua atribuição, a revisão do estatuto de cuidador e um aumento em 3,5% da comparticipação financeira mensal do Estado em estruturas residenciais para pessoas idosas, centros de dia, lares residenciais e serviço de apoio domiciliário. O aumento, segundo o Governo, “permite minimizar efeitos da inflação e fazer face às despesas extraordinárias de funcionamento e dificuldades de tesouraria destas respostas sociais”.
Falta de lares e custos elevados
Mas, por falar em lares, este parece ser um assunto ainda difícil de resolver. Os lares estão mais caros e a oferta não corresponde à procura, o que quer dizer que são muitos os que não conseguem vaga. A começar pelos valores, a mensalidade média nacional cobrada pelos lares, em janeiro do ano passado era de 1.425 euros, um valor que representa um aumento de 6,5% face ao ano anterior.
Ao i, Marina Lopes, CEO e fundadora da Lares Online, explica que este setor “tem tido, nos últimos anos, um aumento significativo de pedidos de admissão em lar”, defendendo que de 2023 para 2024, “a taxa de crescimento foi de 37%”. Mas explica que “este crescimento de pedidos de admissão está intrinsecamente ligado ao aumento do número de pedidos não concretizados”, sendo que nos últimos seis meses, “em média, 54% da procura não teve vagas compatíveis a valor mais acessível”.
Marina Lopes defende que este “é um fator de preocupação do setor dos lares, pois revela uma falta de capacidade em aportar respostas ajustadas e seguras às necessidades atuais existentes”, alertado que é preciso “que exista uma maior cooperação entre o Estado e o setor dos lares, nomeadamente na criação de condições de igualdade de acesso aos lares por parte dos idosos, mas também, de rastreação do encaminhamento para lares legalizados e de garantia de admissão de idosos que possam ser vistos como prioritários”.
Sobre os preços elevados, a responsável adianta que a plataforma Lares Online conseguiu verificar que, a nível nacional os preços das mensalidades em lar têm subido ao longo dos últimos anos, “a par do aumento do custo de vida em Portugal e do investimento que tem sido feito na melhoria da qualidade das instalações e serviços oferecidos pelos lares”. Durante o ano de 2024, “a taxa de crescimento dos valores das mensalidades em lar foi de 12,4% e a verdade é que a perspetiva para o ano de 2025 é que os valores aumentem de novo”.
Para este ano que agora começou, os valores “ainda estão a ser atualizados e poderão sofrer alterações ao longo dos primeiros meses”.
O i tentou ainda perceber junto de Marina Lopes quais os principais desafios para o futuro. “Portugal enfrenta, hoje em dia, um problema grave, já apontado por várias gerações: o crescimento da população idosa sem que exista uma preocupação com a formação e capacitação de cuidadores formais suficientes para responder às necessidades desta população e garantir a qualidade dos cuidados”, reforça, defendendo que “é preciso dignificar esta profissão e criar incentivos para atrair talento na área dos cuidados aos idosos”.
Mas defende mais. “Além de promover o envelhecimento ativo e com isso, retardar a necessidade de cuidados, será inevitável que o país tem que estar pronto para responder ao desafio desta demografia em todas as dimensões, nomeadamente, no que respeita à sustentabilidade e otimização dos recursos disponíveis”. Por isso, Marina Lopes realça a necessidade e importância “que os lares de idosos têm na nossa sociedade e a exigência de um aumento da dotação orçamental afeta à capacitação dos lares nacionais”, acrescentando que “este aumento ao nível do orçamento entregue aos lares vai significar uma melhoria, já implícita, das infraestruturas existentes, uma maior formação do pessoal trabalhador neste tipo de instalações e um aumento da capacidade de camas disponíveis”, garantindo que a plataforma está disponível para negociar com o Governo “para apoiar o Governo no desenvolvimento de uma estratégia concisa para o setor da prestação de cuidados à população idosa, ponto fundamental para o desenvolvimento de uma área da sociedade portuguesa que tem sido deixada para trás e que tem sentido grandes carências”.
Recorde-se que, em meados do ano passado a Confederação Nacional de Reformados, Pensionistas e Idosos (MURPI) entregou no Parlamento uma petição com mais de oito mil assinaturas a exigir uma rede pública de lares e o reforço do apoio aos idosos que permaneçam em casa.
Pela mesma altura, a Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade (CNIS) dizia que faltam 20 mil vagas em lares de idosos, avisando que esta situação faz aumentar o número de lares ilegais.
Pobreza na velhice
Quando o INE lançou este ano o relatório da pobreza, deixou um alerta: a pobreza entre esta faixa etária é a mais grave dos últimos 15 anos. Este é um dado preocupante que o economista Eugénio Rosa tentou explicar ao Nascer do SOL. “Entre 2017 e 2023, passou de 16,4% para 23,9%, ou seja, um crescimento chocante de 45,7%, em grande parte, devido às baixíssimas pensões que os reformados recebem e que o duplo aumento tão propagandeado para 2025 não alterará”, acusa.
Quem também não acredita que o aumento das pensões possa vir alterar muito o cenário atual é Luís Capucha, professor no ISCTE. Ao nosso jornal chegou a dizer que o aumento da pobreza nos mais velhos é um indicador “particularmente grave porque o Complemento Solidário para Idosos está a falhar na sua missão. Algo se está a passar de forma contrária aos objetivos da medida”, defendendo que “se não se reforçarem as medidas de política – e neste campo é outra vez claro que não basta o apoio ao rendimento – então pouco irá mudar”.
Raio X
Atualmente, segundo os dados mais recentes, no ano passado, o país tinha dois milhões e meio de pessoas com 65 ou mais anos. Dados do Eurostat mostram que a idade média da população da União Europeia aumentou 2,3 anos desde 2013, quando era de 42,2 anos. Portugal ocupa o topo da tabela, com a população a envelhecer 4,4 anos em média, em apenas uma década. No que diz respeito ao índice de dependência dos idosos, Portugal também estava no topo da tabela com 38%. A média europeia é de 33,4%.
Olhando 20 anos atrás, nessa altura existiam quatro pessoas em idade ativa por cada idoso, agora existem só duas. Por cada 100 jovens, com menos de 15 anos, existem 186 pessoas com mais de 65.
E a tendência é continuar assim. Quando em 2020 o Instituto Nacional de Estatística (INE) fez uma projeção da população até 2080, previa que o número de idosos (com 65 anos ou mais) passará de 2,2 para os três milhões. Além disso, o índice de envelhecimento no nosso país quase duplicará, passando de 159 para 300 idosos por cada 100 jovens, em 2080, em resultado do decréscimo da população jovem e do aumento da população idosa. Por essa altura, diz o gabinete de estatística, a região mais envelhecida será a Região Autónoma da Madeira, com este índice a atingir os 429 idosos por cada 100 jovens, e a região menos envelhecida será o Algarve, com um índice de 204.
O INE prevê que o índice de envelhecimento só tenderá a estabilizar na proximidade de 2050, “quando as gerações nascidas num contexto de níveis de fecundidade abaixo do limiar de substituição das gerações já se encontrarem no grupo etário 65 e mais”.
E se a população está a envelhecer, também há cada vez mais pessoas a ultrapassar a meta dos 100 anos. Segundo dados da Fundação Francisco Manuel dos Santos, em 2023, havia 3.043 pessoas com mais de 100 anos em Portugal. No espaço de uma década, o número de centenários no país cresceu 84%.