Rui Borges tem 43 anos e é natural de Mirandela. Começou a jogar futebol nos infantis do clube da sua terra, com 10 anos, e passou por todos os escalões de formação. Passados 13 anos, regressou às origens para jogar na equipa principal, era o dono do meio-campo e capitão. Depois de abandonar a carreira de jogador, Rui Borges continuou a respirar os ares do futebol como treinador do Sport Clube de Mirandela, que disputava o Campeonato de Portugal (quarta divisão), na temporada 2017/18. O seu trabalho não passou despercebido e, na época seguinte, foi convidado para treinar o Académico de Viseu, que estava em zona de descida de divisão. As sete vitorias em 14 jogos garantiram a permanência na segunda liga. Em 2020/21, mudou-se para a Académica, que competia na segunda divisão e, no ano seguinte, viajou até à Madeira para orientar o Nacional. Regressou ao continente para treinar por um curto período o Vilafranquense e o Mafra, ambos da divisão secundária. Em 2023/24, estreou-se no escalão principal com o Moreirense, onde conseguiu o sexto lugar com um recorde de pontos para o clube de Moreira de Cónegos. No início desta época, transferiu-se para o Guimarães, deixando um registo assinalável de 30 jogos, 18 vitórias, sete empates e apenas cinco derrotas, com 56 golos marcados e 25 sofridos – é o treinador com mais vitórias esta temporada no futebol português. Nova mudança de camisola, agora para o campeão nacional Sporting. Ao longo de oito temporadas, este é o nono clube que treina. As diferentes experiências como treinador foram positivas, com mais vitórias do que empates ou derrotas. Nos 279 jogos como treinador, Rui Borges venceu 131, empatou 72 e perdeu 76.
Confiante e sereno
Ao chegar a Alvalade afirmou ser uma pessoa verdadeira e positiva, e admitiu que «era um sonho» estar ali. Deu respostas curtas e simples, rejeitou a ideia de que treinar o Sporting fosse um “presente envenenado” e mostrou que estava preparado para assumir o cargo, numa apresentação mais discreta e genuína do que a do seu antecessor João Pereira. Num tom sereno e confiante foi, claramente, mais assertivo do que o seu presidente e mostrou ambição em ganhar tudo até porque «treino a melhor equipa em Portugal», justificou. E tem tempo para isso. Assinou um contrato até junho de 2026, com um vencimento bruto anual de um milhão de euros, que pode ser prolongado por mais uma época caso seja campeão. Nesse caso, recebe um bónus de desempenho desportivo superior a 500 mil euros. Quem o quiser tirar de Alvalade antes do tempo “só” tem de bater a cláusula de rescisão de 20 milhões de euros.
A primeira ação foi almoçar, no refeitório de Alcochete, com os jogadores e compreender o estado de espírito do balneário e passar o máximo de confiança. «Sou uma pessoa muito de sentimento, gosto de perceber os jogadores para tirar o melhor rendimento de cada um», começou por dizer. Dentro do mesmo registo, disse que «gosto de observar, sentir, conversar e conhecer a personalidade e o caráter dos jogadores. De saber onde se sentem mais à vontade e onde estão menos confortáveis. O meu foco é muito esse. Aproveitamos sempre algo, ninguém é melhor que ninguém e estamos a aprender todos os dias uns com os outros», salientou.
No relvado, tem uma forma de trabalhar muito própria. Pediu à equipa que fosse mais agressiva com e sem bola, pressionasse sempre alto e fosse mais pragmática no ataque. A sua ideia é clara «quando faltar qualidade e inspiração tem de haver atitude» e repetiu uma ideia usada no Guimarães «o sucesso no futebol passa 15% pelo trabalho do treinador e 85% pela capacidade de os jogadores em executarem a ideia de jogo». Teve também oportunidade de motivar o plantel e os adeptos com uma mensagem simples «têm de acreditar que são muito bons. Eu treino o Sporting, claramente a melhor equipa em Portugal. Zero dúvidas. Agora, temos de demonstrá-lo», frisou. Com grande pragmatismo, Rui Borges afirmou também que a equipa vai ter dores de crescimento «não chego para fazer magia, porque não sou mágico». E é com os pés bem assentes na relva que vai subindo na pirâmide do futebol.
Próximo dos jogadores
No decorrer da época passada, Rui Borges concluiu o curso de treinador UEFA Pro, onde teve como colega de curso Nuno Campos, que foi adjunto de Paulo Fonseca no Paços de Ferreira, FC Porto, Braga, Shakhtar Donestk e Roma. Nuno Campos seguiu depois a carreira de treinador principal no Santa Clara que disputou a Final Four da Taça da Liga em 2022/23, ainda nessa época levou o Tondela à final da Taça de Portugal.
Nuno Campos lembra-se bem das seis semanas em que teve Rui Borges como colega. «Estávamos em contexto de sala das 8h00 até às 19h00 e tive bastante tempo para o conhecer», disse. «O Rui destacava-se por ser uma pessoa muito afável e humana, que criava bom ambiente sempre com uma piada fácil. Como treinador, transporta isso para o balneário, o que faz com que o grupo de trabalho facilmente goste dele. A empatia que cria com o plantel ajudou-o muito a gerir os vários grupos de trabalho que teve», salientou. Nuno Campos reconhece a qualidade do seu trabalho: «Sabe bem o que pretende e transmite isso aos jogadores. Eles ficam com uma noção muito clara daquilo que têm de fazer, isso é muito importante, pois ao não terem dúvidas rendem mais». Apesar da proximidade com os jogadores, não facilita. «Deixa bem claro até onde é que o grupo pode ir. Se tiver de se impor e ser assertivo com alguém não deixa de o fazer»,sublinha.
A paixão e dedicação de Rui Borges ao futebol, aliado à capacidade para mostrar o seu conhecimento permitiram-lhe evoluir rapidamente. Na opinião de Nuno Campos, era expectável que chegasse ao topo naturalmente. «Quando acabámos o curso ele tinha acabado de assinar pelo Moreirense. A forma como liderava os grupos de trabalho e o conhecimento nos exercícios levou-me a pensar que estava preparado para atingir outros patamares enquanto treinador, como se confirmou no Guimarães», reconheceu. O seu conhecimento permite-lhe afirmar que está igualmente preparado para treinar o Sporting. «Todos os patamares que percorreu serviram de preparação para agarrar este projeto e vai sair-se bem, porque tem qualidade para isso. Vai seguramente transformar-se num treinador ainda melhor, são os grandes clubes que permitem esse crescimento», assegurou. Fez ainda uma observação interessante: «Qualquer treinador que pretenda chegar longe na sua carreira tem de encarar os desafios que surgem como uma oportunidade e não como um risco». E lembrou que «aconteceu isso comigo e com o Paulo [Fonseca] quando fomos para o FC Porto. As coisas não correram bem, mas deu-nos uma experiência tão grande que a partir daí estávamos preparados para tudo».
Nuno Campos considera que «as ideias de cada treinador têm sempre um cunho pessoal e os detalhes são muito importantes». «Os jogadores têm grande maturidade e vão perceber se o treinador domina o que está a pedir ou se está a pedir só porque vem nos livros. É igualmente importante ir ao detalhe e demonstrar que domina a situação. O Rui Borges é muito forte nisso. Ele vai exigir coisas aos jogadores e vai justificar o porquê, e eles vão ter sucesso naquilo que fazem». Mas deixa um aviso: «Se alguém chegar a um clube da dimensão do Sporting e não dominar as situações de treino e de jogo vai ser engolido pelo grupo». No Sporting, vai sentir a exigência máxima que é colocada a um treinador devido às exigências dos jogadores, dirigentes e imprensa. Nesse domínio, Nuno Campos considera que está preparado para a exigência permanente de resultados e para lidar com os adeptos porque «já estava habituado a uma massa adepta exigente no Guimarães».
Um transmontano no Oeste
No processo de crescimento e desenvolvimento, Rui Borges passou pelo Mafra na época de 2022/23 e teve grande impacto no plantel. O clube da região Oeste subiu do 14.º ao sexto posto nas últimas jornadas da segunda liga. «É um grande treinador, um bom condutor de homens e uma grande pessoa. Se tivéssemos o Rui desde o início da época tínhamos subido à primeira divisão», afirmou o presidente do clube José Cristo. Além da qualidade do treino e a melhoria do rendimento da equipa durante os jogos, foi também mestre na forma de lidar com o grupo. «É muito forte na parte técnica, lê e analisa bem o jogo e mostrou ser um grande líder, consegue ter o grupo na mão», salientou. Essa empatia surgiu de imediato. «Os jogadores rapidamente perceberam que o Rui era um homem da bola e que falava a mesma linguagem. Essa empatia aconteceu com o plantel, mas também com os dirigentes do Mafra», contou José Cristo. A parte humana foi outro dos atributos reconhecidos a Rui Borges. «É uma pessoa muito humilde, simples e trabalhadora. Nos meses que esteve no Mafra desenvolveu uma relação muito especial, criou-se um sentimento de família com ele e com a sua equipa técnica». Quanto entrou para o Mafra a equipa corria o risco de descer de divisão, mas isso não o intimidou. Na sua maneira de ser não há lugar para o medo. «As coisas não começaram logo a correr bem. Falei-lhe da minha preocupação, mas disse-me para estar tranquilo porque a equipa ia ficar bem classificada. Tenho 30 anos de presidência e foi ele que me deu segurança. É um treinador que não tem medo da pressão, é um transmontano a sério», frisou.
«No dia que assinámos contrato, disse-me que aceitou o convite porque conhecia o plantel e sabia que iam fazer um bom campeonato. Foram palavras sentidas de alguém que sabe o que faz. Foi diferente daqueles treinadores que só querem o lugar», reconheceu o presidente do Mafra. «Queria que ele ficasse mais um ou dois anos, mas não consegui», confidenciou. «Não foi por uma questão de dinheiro, foi por um objetivo de carreira, o Rui queria treinar na primeira liga. Acho que ele merece as oportunidades que tem tido», rematou.