“Como é possível tamanha inércia política?”. Presidente do STJ apela a reforma urgente na Justiça

João Cura Mariano citou Gandalf, do Senhor do Anéis, e criticou duramente “tempo de feitura das leis”.

No discurso na cerimónia de abertura do ano judicial, que decorreu esta segunda-feira, o presidente do Supremo Tribunal de Justiça lembrou os problemas em que tinha colocado uma pulseira vermelha, há sete meses na tomada de posse, e concluiu que pouco foi feito.

O juiz João Cura Mariano sublinhou a urgência de uma “extensa reforma” na Justiça e pediu alterações à lei para facilitar a entrada de novos magistrados e criticou a demora legislativa no Parlamento.

O ingresso de juízes no Supremo Tribunal de Justiça, com uma idade distante da sua reforma, seria alcançado através de uma minúscula alteração ao Estatuto dos Magistrados Judiciais, por mim proposta, que alarga o leque dos juízes candidatos oriundos das Relações ao concurso de acesso a este Tribunal.

E, finalmente, deveriam ser constituídas duas comissões revisoras das leis processuais com o encargo de as modernizar, prevendo novas realidades e conferindo-lhes o equilíbrio e a maleabilidade necessária a uma hábil conciliação entre celeridade e garantias de defesa.

“Estando muitos dos entraves processuais já identificados e muitas das soluções para os resolver debatidas, sem que se perceba por que é que o nascimento destas comissões demorou,  até hoje, sete meses, espera-se que os trabalhos das mesmas decorram com a brevidade desejável e que até ao final do ano seja possível dispormos de regras que permitam uma tramitação ágil dos processos judiciais”, sublinhou.

“Os diagnósticos são acertados, os planos de tratamento são adequados, mas a prestação dos cuidados necessários tem tardado sem que se perceba a demora”, acrescentou.

Para o juiz, na justiça está-se “escusadamente, numa corrida contra o tempo”. “Se o tempo da justiça é muitas vezes acusado de se caracterizar por uma lentidão exasperante, o que dizer do tempo da feitura das leis”, questionou.

João Cura Mariano insistiu na urgência de repensar os procedimentos legislativos governamentais e parlamentares, para que, “sem prescindir da necessária reflexão e discussão e sem diminuição da qualidade do resultado”, as leis consigam acompanhar as constantes alterações das realidades que visam regular.

E assim, como Amadeu Guerra também já o tinha feito em relação à Procuradoria-Geral da República, também o presidente do Supremo apontou o dedo à falta de autonomia financeira dos tribunais, “tantas vezes prometida e jurada”.

A permanência dos problemas aos quais tinha colocado uma pulseira vermelha há sete meses, suscita ao juiz “inquietantes interrogações” e não hesitou em nomeá-las.

“Como é possível tamanha inércia política?”, “Como é possível este desinteresse pelas condições de exercício da função judicial?” e, por último, “Como é possível tudo isto acontecer, ou melhor, nada acontecer?”, questiona.

Já a terminar, lembrou Gandalf, do Senhor do Anéis, que, numa passagem da história de Tolkien, terá dito: Não nos é dado escolher o tempo em que vivemos, mas apenas o que fazer com os tempos em que nos foi dado viver”.

E concluiu: “É consciente desta evidência que, apesar de todas as incertezas e perigos com que se inicia o ano de 2025, tenho a esperança que, num permanente diálogo e cooperação que esta cerimónia simboliza, em conjunto, iremos saber o que fazer no tempo em que nos foi dado agir”.