A reforma de fundo do SNS

A implementação desta reforma profunda exige vontade política e um período estável e alargado de governação.

O Governo tem desenvolvido ações no sentido de contratar as iniciativas privada e social, para ultrapassar os problemas de acesso da população ao SNS, bem traduzidas pela persistente existência, ao longo dos anos, de listas de espera para cirurgias e consultas, pela continuada falta de médicos de família e pelas crises recorrentes das urgências hospitalares.

Este Governo reverteu, e bem, o preconceito ideológico sempre presente nos 8 anos da anterior governação socialista, que levou, por exemplo, ao abandono das – Parcerias Público Privadas (PPP’s) em quase todos os hospitais públicos cuja gestão foi contratualizada com a iniciativa privada, apesar de estas servirem melhor a população que abrangiam, dando uma resposta efetiva às necessidades das pessoas, em especial aquelas mais desfavorecidas, e de gerarem centenas de milhões de euros de poupanças para o Estado.

O recurso à iniciativa privada e social, na área da saúde, pode ser encarado de duas formas distintas: i) o Estado pode recorrer aos setores privado e social enquanto não tem capacidade e/ou eficiência para dar à população a resposta às suas necessidades de saúde ou ii) o SNS poderá evoluir para um Sistema Nacional de Saúde onde, de forma articulada, institucional, permanente, coexistem as três iniciativas – a pública (o SNS), a privada e a social h na prestação de cuidados de saúde à população.

A realidade histórica (desde a sua fundação) demonstra que o SNS sob gestão pública, nunca conseguiu resolver de forma sustentada e satisfatória, os problemas de acesso da população atrás referidos, que sempre existiram com maior ou menor expressão, ou seja, a incapacidade de resposta do SNS não é uma situação pontual mas antes uma característica permanente do seu funcionamento, que ainda se agravou nos últimos anos.

Aliás, esta é a razão fundamental pela qual existem hoje cerca de 5 milhões de pessoas, quase 50% da população (3,5 milhões com seguros de saúde privados e 1,5 milhões de funcionários públicos – incluindo forças de segurança – e suas famílias – que efetuam descontos nos seus vencimentos) que recorrem, pagando, ao setor privado, o que não fariam certamente se o SNS lhes providenciasse o mesmo acesso e a mesma rapidez de resposta e de atendimento pois teriam o mesmo tipo de serviço, gratuitamente.

Na base da continuada incapacidade e ineficiência do SNS estão, a meu ver e no essencial, duas grandes causas fundamentais, presentes ao longo do tempo:

1.ª: A continuada má gestão pública dos Recursos Humanos; i)ausência de uma organização de meritocracia, sem incentivos e penalizações, ligados à performance individual (o que conduz ao nivelamento ‘por baixo’ dos desempenhos); ii) falta de previsão e de planeamento quanto à necessidade de profissionais e sua evolução nas respetivas carreiras (como se verificou nos últimos 8 anos de governação socialista, o que está na origem da falta de médicos de família e da atual crise das urgências hospitalares); iii) nomeação, por via partidária, de quadros e equipes dirigentes, sem experiência comprovada (preocupados, muitas vezes, com a fidelidade politica e não com resultados para a população)

2.ª: A inexistência de estímulos exteriores provindos da competição/comparação de desempenho, entre as unidades de prestação de cuidados de saúde, que induzam uma melhor performance a favor do utente.

A situação do SNS exige uma reforma profunda sem a qual continuaremos, no futuro, a defrontar os mesmos problemas de hoje. A evolução do SNS para um Sistema Nacional de Saúde, onde coexistam de forma articulada e permanente as três iniciativas: a pública (o SNS) – que continuará a ser maioritária e fundamental – a privada e a social, na prestação de cuidados de saúde à população, constituirá uma solução estrutural, de resposta eficaz às necessidades de saúde dos portugueses dado que nesta solução:

– O Estado através da concessão da gestão de unidades públicas às iniciativas privada e social, aumentará significativamente a eficiência do setor da Saúde, melhorando o atendimento e resposta às populações e obtendo muito menores custos, como foi comprovado no caso dos hospitais públicos em PPP’s;

– O Estado poderá também autorizar a iniciativa privada e social na construção e gestão de unidades de saúde, contratualizando-as para a prestação de cuidados de saúde à população e aumentando o investimento em equipamentos e instalações no setor;

– O Estado poderá implementar uma efetiva liberdade de escolha dos utentes em relação às entidades prestadoras, sejam elas, públicas, privadas ou sociais.

Esta solução, para além de alargar, de forma estrutural, o acesso da população aos cuidados de saúde, combinando as capacidades de resposta do setor da saúde: do Estado o SNS), da iniciativa privada e da social, permite também aumentar de imediato e de forma sustentada a eficiência quanto a melhor atendimento da população e de menores custos pois na contratualização dos cuidados de saúde, o Estado imporá objetivos às iniciativas privada e social (de resultados para a população e de custos para o Estado), pagando apenas se estas iniciativas cumprirem esses objetivos.

Esta solução estrutural em nada afetará os direitos dos portugueses, consignados na Constituição. O Estado continuará a garantir esses direitos à população que recorrerá e utilizará todas as unidades contratualizadas do mesmo modo como hoje utiliza as unidades do SNS isto é sem custos (só com taxas moderadoras).

A existência de um Sistema Nacional de Saúde permite, ainda, a comparação do desempenho de todas as unidades prestadoras de cuidados – sejam públicas, privadas ou sociais – estabelecendo uma competição entre elas (acentuada pela liberdade de escolha dos utentes), em favor da população, o que constituirá um poderoso estímulo para combater a ineficiência, que se tem registado até aqui, do setor público.

É óbvio que uma reforma profunda, como esta, defronta grandes obstáculos:–Os partidos de esquerda e de extrema-esquerda sempre se opuseram a esta reforma do SNS, apesar dos excelentes resultados, reconhecidos e comprovados pelo Tribunal de Contas (TC) e a Entidade Reguladora da Saúde (ERS) no caso das PPP’s.

Não se conhecem, por parte destes partidos, quaisquer análises objetivas, argumentos sólidos ou mesmo criticas formais que invalidem ou contrariem as conclusões do TC e da ERS, preferindo iludir a opinião pública com declarações ideológicas do tipo ‘estão a privatizar o SNS’ e ‘estão a retirar recursos ao SNS’. Desmentindo estas afirmações, é óbvio que o Estado tem aumentado enormemente os recursos financeiros do SNS (os orçamentos passaram de 9,5 mil milhões de euros, em 2015, para cerca de 15 mil milhões, no final de 2023 – com resultados piores dos governos socialistas –) e que nesta reforma profunda não se está a passar a propriedade das unidades públicas para as iniciativas privada e social, mas sim a contratualizar a sua gestão o que deu excelentes resultados, como referi.

A estratégia, é clara: estes partidos pretendem aproveitar-se da boa imagem que o SNS tem, generalizadamente, junto da população, para evitar qualquer mudança contrária aos seus princípios e dogmas ideológicos, mesmo que essa mudança possa beneficiar e resolver os graves problemas de acesso aos cuidados de saúde, em especial daquela população mais desfavorecida, que dizem defender.

Alcançar a aceitação generalizada da população a esta profunda reforma é a grande dificuldade com a qual se depara um governo que queira, de facto, resolver os problemas da população no setor da saúde.

Para além da oposição frontal dos partidos de esquerda e de extrema-esquerda, a implementação por um Governo desta reforma profunda exige a existência de condições, como a vontade politica para a fazer e de um período estável e alargado de governação.

Para um governo minoritário, como o atual, trata-se de uma causa muito difícil mas não perdida.

É necessário persistir, explicar e demonstrar à população que é do seu interesse realizar esta reforma profunda, da evolução do SNS para um Sistema Nacional de Saúde com a configuração atrás descrita, colocando de forma constante esta discussão na sociedade portuguesa, concentrando a opinião pública nos problemas estruturais do SNS, e não nos episódios pontuais todos os dias relatados na Comunicação Social (e que são deles resultantes) e procurando a adesão de outras forças politicas.

Uma opinião pública, informada, acaba por reconhecer e aceitar reformas profundas na sociedade portuguesa mesmo que, em determinados momentos históricos, elas pareçam não ter um generalizado apoio popular.

Existem exemplos concretos na história recente do país: Por exemplo, até 1985, os eleitores pareciam dar apoio à nacionalização do setor bancário em Portugal também defendida, por razões ideológicas pela extrema-esquerda (e com o assentimento de alguma esquerda. Essa mesma população concedeu duas maiorias absolutas ao PSD que alterou profundamente essa situação com benefícios para o crescimento económico e desenvolvimento do país, hoje generalizadamente reconhecidos pela sociedade portuguesa, sendo esta reforma profunda apenas rejeitada por uma muito pequena franja da população (os partidos de extrema-esquerda).

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