Acidentes de avião. “É preciso distinguir mediatismo e perceções de estatística e ciência”

Ainda que pareça cada vez mais comum ouvir-se falar de acidentes de avião, a verdade é que os aviões estão mais seguros. Mas não depende só do aparelho, é preciso estar também atento aos fatores externos. E, na verdade, o número de acidentes e mortos tem caído.

Acidentes com aviões tem sido foco de muitas notícias no último ano. As mortes somam-se e as preocupações com a segurança aumentam. Mas quererá dizer que os aviões estão menos seguros ou que vivemos numa altura em que as notícias são tão repetidamente produzidas que nos fazem ter essa ideia?


Mais recentemente, no final do ano passado, um avião bateu num muro, na Coreia do Sul, provocando 179 mortos. Mas o ano contou com outros acidentes. No início de 2024, um avião da Japan Airlines que aterrava em Tóquio colidiu com outro da Guarda Costeira e incendiou-se. As 379 pessoas a bordo sobreviveram mas cinco dos seis tripulantes da pequena aeronave perderam a vida. Pouco depois, a porta de um Boeing da Alaska Airlines ficou sem porta em pleno voo. Juntam-se algumas quedas de aviões mais pequenos no Brasil ou o voo da Azerbaijan Airlines que foi atingido por um míssil. Um 2024 atribulado.


Ao i, Pedro Castro, especialista em aviação e diretor da SkyExpert defende que “em primeiro lugar, é preciso distinguir mediatismo e perceções de estatística e ciência”.


E acrescenta: “Nestes últimos tempos e por motivos que desconheço, cada avaria que é comum e frequente com o tipo de movimento aéreo existente à escala planetária, tem sido alvo de atenção dos meios de comunicação generalistas e não especializados”, diz, acrescentando não se referir “obviamente aos ‘verdadeiros’ acidentes, aqueles que resultam em vítimas e danos e que, de facto, sempre foram divulgados amplamente; falo das “simples” saídas de pista, dos chamados bird strikes (quando aves são sugadas pelos motores) sem impacto ou das aterragens não programadas (por vezes devido a emergências médicas, por exemplo)”. E questiona: “Imagine o que seria se cada avaria de carro nas estradas fosse reportada nos órgãos de comunicação social?”.


Por isso, Pedro Castro diz que “a verdade científica e estatística é outra e foi, aliás, alvo de um estudo recente do MIT- Massachusetts Institute of Technology”. Feitas as contas, esse estudo, divulgado em agosto do ano passado, conclui que o risco de fatalidade no transporte aéreo comercial foi de um em cada 13,7 milhões de embarques de passageiros no período de 2018-2022, uma melhoria significativa em relação ao período de 2008-2017 (1 em cada 7,9 milhões) e um contraste impressionante com 1968-1977, quando o risco era de 1 em cada 350 mil embarques.

“Para ser mais concreto, em 2024, e apesar dos dois últimos acidentes na reta final do ano terem elevado o número de mortos para mais de 200 (em 2023 foram ‘apenas’, cerca de 70), se a proporção das fatalidades fosse a verificada nos anos 70 do século passado, teríamos tido 13 mil mortos; e por relação à proporção verificada em 2008-2017, o número deveria ser quase triplicado para chegar aos 600”, detalha o especialista, que garante: “O número de acidentes e de fatalidades não só tem diminuído em termos absolutos e relativos por relação ao tráfego mundial de passageiros, como o transporte de avião é cada vez mais seguro”.


Olhando apenas para os acidentes decorridos em 2024, Pedro Castro fala numa “série de acidentes ‘bizarros’, destacando os casos do avião da JAL que aterrou por cima de outro (a 2 de Janeiro) no Japão; passados poucos dias, uma porta de um avião da Alaska Airlines que cai em pleno voo (sem vítimas mortais); e o ano terminou com um voo comercial da Azerbaijan Airlines atingido por um míssil e um outro que esbarra contra uma parede de betão no final de uma pista num aeroporto sul-coreano matando praticamente todos os seus ocupantes.

‘Os aviões são muito mais seguros’ Questionado sobre os aviões não deveriam ser mais seguros em pleno século XXI, Pedro Castro atira: “Os aviões são muito mais seguros”. E volta a referir números: “Em vez de termos 13 mil mortos (cálculo feito usando a proporção de fatalidades aéreas nos anos 70 do século passado), temos pouco mais de 200 em 2024”.
Ainda assim, destaca que nem tudo será seguro aos dias de hoje. “O que talvez não esteja tão seguro é o ambiente no qual os aviões se movem e circulam”. Em concreto, acrescenta, “e relativamente a dois dos acidentes fatais de 2024: um avião comercial ser atingido por mísseis militares ou um avião embater contra um muro de betão no final de uma pista, não é suposto acontecer. Ou seja, para garantir a segurança dos aviões é preciso considerar também estes aspetos ‘externos’ ao avião, mas igualmente vitais”.

Culpa dos fabricantes ou companhias? O i tentou ainda perceber o que se pode fazer para evitar este tipo de acidentes e se a culpa poderá ser remetida aos fabricantes dos aviões ou às companhias que os operam. O especialista em aviação atira: “Passar esse ónus da segurança para o cliente final seria o pior que poderíamos fazer. Ou seja, no dia em que pedirmos aos passageiros para verificarem a companhia aérea em que voam ou o tipo de avião utilizado para garantir a sua segurança, nesse dia podemos ‘fechar a loja’ porque a desconfiança passará a estar disseminada”.


Para Pedro Castro, é importante que se saiba que a aviação é um setor “altamente regulamentado e fiscalizado em termos técnicos e de segurança” e que essas normas “resultam de convenções internacionais válidas e comuns a todos os países que são aplicadas e verificadas por órgãos próprios e não pelos passageiros”. O especialista explica ainda que “não existe diferenciação de critérios consoante o tipo de companhia aérea ou de fabricante – são sempre as mesmas regras para todos”. Por isso, “o único cuidado que os passageiros deverão continuar a ter é o habitual: o tipo de serviço que desejam para a sua viagem, os horários ou o preço das voos que reservam, etc.”.


Aos reguladores e, “em última análise”, ao legislador e órgãos judiciais, “é que devemos exigir uma consciencialização e adaptação rápida aos ‘novos’ riscos de acidentes e, nesse seguimento, exigir a adoção de medidas adequadas para evitar que eles aconteçam”. Sobre esse aspeto, Pedro Castro diz não estar seguro “que os reguladores tenham desempenhado bem o seu papel relativamente à certificação dos novos Boeing Max e, claramente, o regulador europeu não está a ser suficientemente preventivo na questão do sobrevoo do espaço aéreo russo, motivo pelo qual enviei uma carta aberta a várias entidades europeias exigindo uma proibição reforçada, mais justa e mais segura”.

Segurança aérea No seguimento do acidente do avião da Azerbaijan Airlines, o terceiro do mesmo estilo em 10 anos, a SkyExpert, enviou uma carta aberta a diversas entidades europeias que têm (co)responsabilidade na regulamentação da segurança aérea dos passageiros que embarcam ou desembarcam na Europa.


Ao nosso jornal, Pedro Castro defende que “as medidas em vigor não são suficientemente fortes e não impedem que este tipo de acidentes se repitam com aviões que tenham origem e destino no espaço europeu” e por isso apresenta três medidas “concretas e eficazes”.


Das medidas consta a informação transparente aos passageiros, como é o caso do percurso do avião para que o passageiro saiba se está ou não a passar por zonas de risco; regras de segurança harmonizadas como a proibição de aterragem em que se propõe “que a União Europeia proíba a aterragem de qualquer avião comercial – europeu ou não – no seu território se o mesmo tiver sobrevoado o espaço aéreo russo para transportar passageiros com origem ou destino a aeroportos europeus” ou que “qualquer bilhete vendido na Europa com destino à Rússia (via Belgrado, Istambul, Dubai ou outros aeroportos de trânsito) deverá incluir uma informação sobre os riscos inerentes ao sobrevoo de zonas de conflito e ao próprio destino”.


A SkyExpert garante que “a manutenção do uso do espaço aéreo russo por companhias de países terceiros com destino à Europa contraria o espírito das sanções impostas pela UE e sobrecarrega de forma injusta as companhias europeias que devem operar rotas alternativas mais longas e dispendiosas”.


E Pedro Castro recorda que “os aviões civis não têm como detetar o perigo de mísseis em seu redor. Mesmo que tivessem, a margem de manobra que têm para se desviarem da trajetória de um míssil é nula”.