Querida avó,
Agradeço por existirem pessoas que de alguma forma fazem parte da nossa vida. Ao longo de 2024 partiram algumas dessas pessoas.
Iris Apfel, um ícone da moda e uma referência para todos os que falamos de envelhecimento ativo, e que gostamos de pessoas “fora da caixa”, morreu aos 102 anos.
Maggie Smith, atriz britânica, morreu aos 90 anos. Participou em inúmeros filmes e séries. Muitos irão recordá-la eternamente no belíssimo papel de “Violet Crawley” da série Downton Abbey ou a Professora “Minerva McGonagall” dos filmes Harry Potter.
Marisa Paredes, atriz espanhola, morreu no final do ano. Para a história do cinema ficaram imensos filmes em que participou, grande parte deles do realizador Pedro Almodóvar.
Em Portugal foram inúmeras as personalidades que nos deixaram ao longo do ano.
O cineasta António Pedro Vasconcelos, o compositor e cantor Fausto, o treinador e futebolista Artur Jorge, o pintor e ceramista Manuel Cargaleiro, a ex-procuradora-geral da República Joana Marques Vidal, o cantor Marco Paulo, que durante décadas foi considerado como uma das melhores vozes de Portugal, Celeste Caeiro, a mulher que, no dia 25 de Abril de 1974, distribuiu cravos pelos militares que levavam a cargo um golpe de estado para derrubar o regime liderado por Marcello Caetano, partiu no ano em que celebrámos 50 anos de abril…
O final de ano foi trágico com a prematura partida de Pedro Sobral, alguém que acreditava profundamente no poder dos livros. Uma perda para todos os que estão ligados ao setor livreiro.
Termino com uma homenagem a Adília Lopes, que também partiu no final de dezembro: «Só gosto das pessoas boas; Quero lá saber que sejam inteligentes, artistas, sexy, sei lã o quê; Se não são boas pessoas não prestam».
Muitos dos que partiram somavam todas estas características. E eram, certamente, boas pessoas.
Bjs
Querido neto,
Como sabes, passei o ano na Ericeira, onde vivo. No dia 1, pela manhã, estava eu muito sossegada na esplanada da praia do Sul (o meu poiso) quando começo a ouvir um homem a recitar
«Ó mar salgado/ Quanto do teu sal/ São lágrimas de Portugal…».
Conheço-o bem. Trabalha num restaurante aqui perto mas, à hora do almoço, está sempre aqui na esplanada na conversa com uns amigos.
Estranhei ouvi-lo recitar Fernando Pessoa, mas ele continuava: «Realmente, diante deste mar é só o que apetece dizer… Eu nem conheço o homem que disse isto, mas acho que é um pescador que costuma parar muito por aqui. Foi o que me contaram. Acho que ele vem aqui muito e está sempre a dizer isto. Coitado… Também já podia dizer outra coisa. O mar é uma fonte de inspiração, não acham? Basta olhar para ele e dizemos coisas dessas. Para dizer a verdade, até já ouvi pessoas a dizerem coisas bem melhores que essas. Claro que se o mar é salgado é porque tem sal, não é verdade?».
É claro que os amigos acenavam com a cabeça, para mostrarem que estavam todos de acordo com ele.
Eu estava deliciada a ouvi-lo – e tenho a certeza de que o Fernando Pessoa, esteja ele onde estiver, também deve ter gostado muito do que ouviu.
Realmente, muitas das “Lágrimas de Portugal” têm a ver com os que, tão bem recordaste, nos vão deixando, mas que serão eternamente recordados através da obra que nos deixaram.
Escusado será dizer que no dia 1 de janeiro vi imensa gente a ir ao “primeiro banho do ano” nas gélidas águas da Ericeira.
Este ritual é para muitos como um momento para fazer balanços, mas também como assinalar um recomeço.
O meu, como sabes, é sempre romãs em casa, que vou renovando de ano para ano. A romã não é um fruto fácil! Fazem-me lembrar algumas pessoas. Difíceis por fora, fechadas sobre si mesmas, mas extraordinárias quando se revelam. Só temos de aprender a lidar com elas.
Bjs