Diana Gomes. ‘A Comissão defende os atletas sempre e em qualquer situação.’

Como presidente da Comissão de Atletas Olímpicos, Diana Gomes, defende uma maior intervenção do Estado no apoio ao desporto e considera que os atletas olímpicos são vistos como uns semideuses, mas facilmente caem no esquecimento por falta de cultura desportiva.

Diana Gomes. ‘A Comissão defende os atletas sempre e em qualquer situação.’

Diana Gomes tem 34 anos e preside à Comissão de Atletas Olímpicos (CAO) desde 2022, um cargo que assumiu de alma e coração. Contudo, a sua ligação ao desporto vem detrás, do tempo que era uma das melhores nadadoras portuguesas. O momento alto foi a participação nos Jogos Olímpicos de Atenas 2004 e Pequim 2008 em 100 m e 200 m bruços. Mas antes já tinha ganho duas medalhas de ouro nos Europeus de juniores, em 2005. Além disso, conquistou o título nacional e estabeleceu vários recordes no estilo bruços. Depois de terminar a carreira em 2014 tirou o curso de Arquitetura e tornou-se empresária.


Entrou no mundo olímpico muito jovem. Qualificou-se para as olimpíadas de Atenas com apenas 14 anos, mas quando competiu tinha 15, ainda assim continua a ser a atleta portuguesa mais nova a participar numas olimpíadas.

O sonho olímpico é o objetivo de qualquer atleta. O que sentiu ao saber que estava apurada para Atenas 2004?
Na altura, nem sabia muito bem o que estava a acontecer. Consegui fazer os mínimos para participar no Europeu de juniores e nos jogos olímpicos na mesma manhã, na piscina do Jamor. Lembro-me de ter olhado para a bancada e ver os pais muito contentes, mas só depois de ouvir o speaker é que percebi o que tinha conseguido. Acreditava que um dia podia chegar aos jogos olímpicos, mas não esperava que fosse tão cedo, até porque nunca tinha feito uma prova internacional. Foi tudo muito mágico.

Como foi viver essa magia nas semanas seguintes?
Só percebi que a minha qualificação significava alguma coisa pela quantidade de entrevistas e sessões fotográficas que fiz nos meses seguintes. Estava a estudar, frequentava o 9.º ano, e já era atleta olímpica e ia competir com nadadoras que tinham o dobro da minha idade.

Teve uma situação caricata enquanto estudava, o que se passou?
Estive algum tempo ausente das aulas devido à preparação para Atenas, o professor de Educação Física não entendeu isso e deu-me uma nota negativa, tive dois (risos).

Qual a sensação de competir com as melhores nadadoras do mundo?
Era muito fácil dizer que ia aos jogos olímpicos, mas quando subi para o bloco de partida estava demasiado nervosa, as minhas pernas tremiam imenso. Era um momento-chave da minha vida. Na segunda participação em Pequim foi tudo mais calmo.

Passando ao momento atual, qual é a missão da Comissão de Atletas Olímpicos?
A Comissão está integrada no Comité Olímpico de Portugal (COP) e é representada, exclusivamente, por atletas que foram olímpicos nos três ciclos anteriores ao que ciclo que está em funções, ou seja, há um prazo para fazer parte desta comissão. Atualmente, temos cerca de 300 atletas. A nossa missão é representá-los dentro do COP e junto de outras entidades, defender os seus interesses e proporcionar-lhe novas oportunidades. Muitas vezes somos contactados por entidades que pedem a colaboração de atletas e somos nós que fazemos esse acompanhamento.

Quais são as áreas específicas de atuação da Comissão?
Trabalhamos desde as esperanças olímpicas até ao pós-carreira. Nos últimos dois anos desenvolvemos um programa denominado Mentoria em que os ex-atletas olímpicos são mentores de esperanças, isto é, de jovens dos 12 até aos 19 anos. Temos conseguido bastante sucesso com este programa, pois os mais novos podem contactar diretamente com os seus mentores sempre que têm dúvidas, o que é normal já que estão a começar a sua carreira e são inexperientes. Temos outros programas para preparar os atletas para o pós-carreira e a importância de planear o futuro. Fazemos também formações em diferentes áreas.


Há muitos atletas a solicitarem um acompanhamento?
Cada vez mais. É muito gratificante perceber que os atletas, desde as esperanças até àqueles que estão em fim de carreira, sabem que existe uma entidade que os representa e que os vai defender em qualquer situação.

Quando há um conflito entre atletas e federações, como aconteceu recentemente no judo, como é que a Comissão gere a situação?
Esse foi um caso bastante grave. Estivemos sempre dentro das negociações e foi muito difícil ver que a preparação dos atletas estava a ser posta em causa, bem como o seu futuro, pois tratava-se da qualificação olímpica. A Comissão de Atletas Olímpicos teve um papel de mediação que envolveu os atletas, o IPDJ e outras entidades, e que, felizmente, acabou bem.

Na sua opinião como é que os portugueses vêm os atletas olímpicos?
Os portugueses veem esses atletas como uns semideuses, mas só se lembram deles de quatro em quatro anos. O mediatismo dos grandes eventos e as redes sociais têm ajudado as pessoas a lembrarem-se deles. É importante que as pessoas saibam que continuam a representar Portugal e a lutar por bons resultados.


O grande impulsionador do olimpismo José Manuel Constantino, referiu que o desporto português tem um problema de base. Concorda com essa ideia?
Absolutamente. No meu entender falta uma política desportiva de base e falta também cultura desportiva. É muito fácil assumir que o desporto em Portugal é o futebol, e não é, é muito mais do que isso.

Como se resolve esse problema?
Com melhores políticas desportivas e, ao mesmo tempo, com uma cultura desportiva diferente. Os clubes já fazem muito pelo desporto, são eles os grandes responsáveis por haver atletas nos jogos olímpicos, e algumas autarquias ajudam os clubes locais, mas é igualmente importante que o Estado fomente o desporto escolar e que os pais incentivem os seus filhos a fazer atividade física, pois ainda há poucas crianças a praticar desporto. O Estado tem de assumir mais responsabilidades perante o desporto porque o nome que levamos no equipamento é o de Portugal. Deve ser mais interventivo desde a base para, no futuro, podermos ter mais atletas federados, maior representação olímpica, mais presenças em finais e mais medalhas.

O Orçamente de Estado para 2025 contempla 54,5 milhões de euros para o desporto. Além dessa verba, o Governo anunciou um investimento de 65 milhões de euros para os próximos quatro anos. Que comentário lhe merece esta decisão?
É um investimento bem-vindo e pode ajudar a desenvolver o desporto, já que abrange várias áreas. O plano está bem concebido e vem responder a algumas das preocupações que o professor José Manuel Constantino tanto falou. Nunca vai ser a verba ideal porque partimos de uma base muito baixa, mas é um princípio.

Como vai distribuída essa verba e quem vai controlar?
A verba vai ser entregue ao Comité Olímpico e Comité Paralímpico, o primeiro vai receber 50 milhões de euros e o segundo 15 milhões. Depois, cada entidade vai distribuir essa verba pelas várias federações.

Em março deste ano vão realizar-se eleições para o Comité Olímpico de Portugal e, neste momento, há vários candidatos. O cargo é assim tão apelativo?
O facto de haver candidatos de diferentes áreas mostra que José Manuel Constantino fez um excelente trabalho e que deixou uma cadeira muito apetecível. Há, contudo, quem use o seu nome de forma ligeira quando não teve qualquer influência no trabalho realizado pelo comité olímpico, o que me deixa desconfortável. Existe uma história escrita.

O que ainda pode ser feito para melhorar o olimpismo?
Tanto! Nestes dois anos e meio percebi melhor o que é este mundo. Uma coisa é sermos atletas e estarmos focados no nosso objetivo, outra, completamente diferente, é o dirigismo e como as coisas devem ser feitas para proteger o olimpismo. Outro aspeto a melhorar é dar mais voz aos atletas dentro do comité olímpico porque eles são a base de tudo.

As condições que são dadas aos atletas durante o ciclo olímpico são as ideais?
Pode-se fazer sempre mais. O acompanhamento dos atletas durante os quatro anos pode ser melhorado pelas várias equipas dentro do COP, que depois fazem a ponte com as diferentes federações. Essas melhorias passam, naturalmente, pelo financiamento, mas também por dar a atenção necessária aos atletas.

Como presidente da Comissão de Atletas Olímpicos foi adida da Missão de Portugal aos Jogos Paris 2024. Vários atletas realizaram marcas piores do que os mínimos olímpicos. A que se deve isso?
Participar nos jogos olímpicos não é a mesma coisa que ir a um campeonato do mundo. É preciso ir a uns jogos para perceber a sua imponência e aquilo que se sente naquela competição. Os atletas não são máquinas e é muito fácil ficarem “presos” a essa sensação nos momentos decisivos. Obviamente que isso pode ser treinado. Alguns atletas conseguiram ultrapassar isso, outros não devido à sua juventude e por ser a estreia. Agora, terão mais três anos para se desenvolverem como atletas e estarem mais preparados para todas as situações. A repetição nos jogos olímpicos é muito importante. No meio deste processo não há ninguém mais exigente do que os próprios atletas. Eles fazem tudo para estar na melhor forma nos momentos decisivos, e também houve casos em que se superaram e fizeram melhores marcas.

O que deve ser feito para conseguir melhores resultados em Los Angeles 2028?
O objetivo é conseguir qualificar mais atletas, estarem mais próximos das finais, dos diplomas e das medalhas. Para conseguir isso é necessário fazer um maior investimento na preparação dos atletas. Recordo que a Missão Paris 2024 foi mais pequena porque não tivemos nenhuma modalidade coletiva, bastava o andebol ou o futebol terem conseguido a qualificação para termos uma presença dentro da média dos anteriores ciclos olímpicos.

Pela primeira vez na história, os campeões olímpicos de atletismo receberam um prémio monetário de 46,5 mil euros. Os valores estão a mudar e os jogos olímpicos são um negócio?
Foi uma decisão da World Athletics, que gere o atletismo internacional, mas as outras federações não seguiram o exemplo. Há quem não tenha sequer capacidade financeira para o fazer, o que acaba por ser injusto para quem não consegue pagar esses prémios. Na verdade, vê-se que o mundo do olimpismo começa a ser um negócio. Vai ser difícil, mas temos de continuar a proteger o espírito olímpico.

Vai deixar a presidência da CAO este ano uma vez que os estatutos não permitem a sua recandidatura. O que está por realizar?
Ainda este mês vai haver um encontro de esperanças olímpicas, onde vamos reforçar o Programa Mentoria. Vamos também organizar mais uma edição do Athlete Summit, um programa que vai das esperanças olímpicas até aos atletas mais antigos, que é um passar de testemunho e um momento para nos lembrarmos que fazemos parte da mesma família.

Sendo uma mulher muito ativa, o que vem a seguir?
Desde muito nova que estou ligada ao desporto e vou continuar. Não sei de que maneira, mas estarei sempre disponível para participar. O lado do dirigismo tem muita coisa interessante. A experiência na Comissão de Atletas Olímpicos permitiu-me crescer a nível pessoal e profissional e penso que posso ser útil nessa área.