1.Quem aterre em Portugal e veja as notícias, acredita que vivemos em tumulto, que temos um problema grave de insegurança, e que o perigo está na rua. Se pernoitar uma ou mais noites e continuar a assistir às notícias fica confuso, os relatos não batem certo com o país que encontra na rua. Não se passa nada nas ruas, até se vai jantar fora após um longo e tranquilo passeio a pé de ida e volta, as esplanadas da cidade são agradáveis, os empregados de mesa simpáticos, embora muitos deles só saibam falar inglês. De regresso ao hotel, liga a televisão e ouve alguém dizer que somos um país tranquilo e que a polícia está a ser instrumentalizada pela extrema-direita. Parece que houve uma rusga com pessoas encostadas à parede. O visitante pergunta: porque será que isto é estranho aqui em Portugal? Aproxima-se o fim de semana e o nosso forasteiro percebe que se organizam manifestações. O motivo ainda é aquela rusga, uns contestam as revistas policiais, outros defendem-nas. Entretanto os passeios do viajante decorrem com normalidade e com os cuidados normais de quem visita uma cidade média europeia. Aqui e ali há avisos, ‘Beware of pickpockets’. As manifestações ocupam as notícias, há muita gente a gritar contra a tal rusga e ali perto, alguns, em menor número, com cartazes contra os bandidos. No fim do dia vão todos para casa. A estranha polémica à volta da rusga acabou. No dia seguinte, depois de uma agradável visita à cidade de novo as notícias locais. Afinal houve mesmo umas rixas feias na tal rua da rusga. Nada que não seja normal em qualquer cidade do mundo. O forasteiro pensa para si: ‘estes Gauleses são loucos’, afinal quem tem razão é a polícia que mantém a ordem nesta cidade tranquila.
2. As eleições foram em outubro, mas o Presidente de Moçambique só tomou posse esta quarta-feira. Entre outubro e janeiro o país mudou, mas a mudança que se vê e se sente nas ruas do país, não bate certo com a tomada de posse de Daniel Chapo, o homem que se candidatou à chefia de estado em nome da Frelimo, o partido que há cinquenta anos governa Moçambique. Os moçambicanos cansaram-se do partido que há tanto tempo os governa e, como sempre acontece em democracia, escolheram uma alternativa. Nada de novo numa democracia madura. Só que não. Cinquenta anos depois a democracia por aquelas bandas ainda não amadureceu e rejeita resultados que não deem a vitória ao partido no poder. E porque haveria de respeitar, se na Venezuela também não respeitam e até nos Estados Unidos (a democracia referência de todo o mundo) há quem ameace não querer respeitar? Coincidência, ou talvez não, Nicolás Maduro e Daniel Chapo tomaram posse na mesma semana. Na Venezuela e em Moçambique, os líderes da oposição que reclamam vitória, com base em registos de contagens de votos considerados credíveis por organismos internacionais, decidiram regressar aos seus países. A contestação na rua e o apoio manifestado a Corina Machado na Venezuela e a Venâncio Mondlane em Moçambique, indicam que a escolha do povo não foi respeitada. Má sorte a dos que desafiam as fraudes democráticas num tempo em que já ninguém sabe bem o que é uma democracia saudável. Serão heróis um dia, talvez já não estejam vivos quando esse dia chegar e, entretanto, muito sangue será derramado enquanto o mundo assobia para o lado.
3. É na segunda-feira que começa uma presidência que deixa o mundo nervoso. Donald Trump é repetente na Casa Branca, mas não é o passado que tranquiliza os diferentes atores da política internacional. Para início de conversa o Presidente eleito dos Estados Unidos já anunciou a sua agenda: conquistar o Canadá, a Gronelândia e o Canal do Panamá. Assim, sem papas na língua. Os intérpretes das palavras presidenciais vão dizendo que o ímpeto conquistador não é para levar a sério é só uma estratégia para ganhar vantagem com os interlocutores destes países. Oxalá tenham razão, só nos faltava agora ter um Putin número dois nos Estados Unidos. A partir de segunda-feira o melhor que podemos esperar é que as palavras do novo Presidente dos Estados Unidos não sejam para levar a sério. E isto, só por si, é assustador.