O problema da conciliação entre a vida profissional e a vida familiar não é um problema é uma falsa questão. Porquê? Porque é impossível conciliar as duas coisas. Por maior que seja a boa vontade, por melhores que sejam as leis, por mais generosos que sejam os patrões ou mais liberais sejam as profissões, é impossível encontrar um equilíbrio. Há sempre um lado que fica a perder. O tempo que não estamos com a família ou que não dedicamos à família é sempre tempo que levamos com culpa. E todo o tempo que dedicamos à família e não ao trabalho – ou a mais trabalho – é com remorso que o levamos.
O trabalho é uma necessidade, muitas vezes uma necessidade que até gostamos de ter e noutros casos é o principal mote de muitas pessoas. É mesmo aquilo que as faz levantar da cama de manhã e não um mal menor. Seja como for, a verdade é que com o andar dos tempos e a passagem dos séculos criamos um modo de vida em que as melhores partes do dia e da vida são dedicadas ao trabalho. Dedicamos toda a idade adulta, no auge das nossas capacidades, a cumprir horários e a atingir objetivos, a construir carreiras ou apenas a ganhar dinheiro para termos onde viver e comer para podermos trabalhar. É um ciclo frenético que parece sem sentido. O trabalho glorifica, o trabalho santifica, o trabalho realiza. É o que dizem e dizem bem, mas na verdade é que ninguém trabalha em busca de santificação ou de realização, que são essencialmente consequências de um sacrifício e não o mote que nos leva ao sacrifício laboral. Há outras formas menos dolorosas para atingir tão nobres virtudes.
A família, essa, fica com o que resta. O que resta de tempo, de energia, de disposição e de condições. Tudo começa e acaba com o trabalho e não com a família. Temos o número de filhos compatíveis com o tipo de trabalho e carreira a que nos dedicamos ou não temos trabalho nem carreira. Esta dinâmica não é uma dicotomia, e por não ser é que é uma falsa questão tentar encontrar a dita conciliação. A questão está no eixo, e o eixo, meus amigos, é o trabalho e não os filhos, os pais, os casais, as relações, as pessoas. O trabalho, em abstrato, devia vir sempre a seguir, como uma das dimensões da nossa vida e não a principal. Ninguém diz que o amigo do lado está bem na vida porque tem um casamento feliz, o número de filhos que entendeu ter em plena liberdade e não condicionado pela carreira ou horário de trabalho e porque é a bengala dos pais. Afere-se que o amigo está bem na vida conforme o dinheiro que tem na conta, a velocidade do carro que comprou, o tamanho ou o número de casas que possui e, claro, o sucesso profissional. O sucesso familiar é um conceito que não existe. E bem, porque não há métrica para isso.
Os nossos filhos passam mais tempo na escola e na creche do que nós a trabalhar. A ideia é prepará-los para o futuro, formá-los para se formarem e terem os melhores trabalhos. Não se educam filhos para serem bons pais, bons netos, bons filhos ou bons voluntários. Isso vem depois: seja o que Deus quiser. A ideia é treiná-los para o trabalho, e isso não depende de Deus, mas das notas.
O conceito de conciliação entre trabalho e família é poeirada mercantilista, uma espécie de canto do cisne da era industrial. O trabalho devia funcionar como os ginásios, ou seja, um compromisso que assumimos com vigor mas só cumprimos por razões de força maior: quando estamos com quilos a mais e saúde a menos.
Sem conciliação possível
Conciliação entre trabalho e família é um conceito que não existe porque é impossível conciliar estas duas dimensões das nossas vidas. Há sempre uma das partes que sai a perder. O trabalho tem demasiada importância nas nossas vidas e isso é estúpido.