Adquiri recentemente, em ocasiões distintas, dois livros que achei que formavam uma boa parelha. O primeiro intitula-se Lost Japan (que eu traduziria por Japão desaparecido) e é da autoria de um norte-americano chamado Alex Kerr (n. 1952); o segundo intitula-se A History of Modern Japan (Uma história do Japão moderno) e foi escrito por um britânico, Richard Storry (1913-1982). Pareceu-me que, juntos, poderiam oferecer-me um panorama abrangente do Japão, tanto antigo como moderno.
Respeitando a ordem das coisas, comecei por Lost Japan, que tem por sugestivo subtítulo ‘Last glimpse of beautiful Japan’ – um último vislumbre do belo Japão.
Ao contrário do que eu esperava, trata-se de uma compilação de artigos originalmente escritos em japonês e publicados na imprensa daquele país. No texto inicial, ‘Looking for a castle’ (à procura de um castelo), o autor descreve como em pequeno massacrava o pai, um oficial da marinha, dizendo-lhe que queria viver num castelo. Naturalmente, um dia o pai perdeu a paciência e contou-lhe uma história para ele não o voltar a aborrecer com as suas pretensões.
Até que um dia, tinha Alex 12 anos, o pai foi enviado para a base naval de Yokohama, e a família mudou-se para o Japão.Corria o ano de 1964 e o país começava a reerguer-se, depois de ser arrasado na Segunda Guerra Mundial.
«Embora o país estivesse na iminência de um enorme boom económico, o velho Japão ainda era visível», conta-nos o autor. «Em redor de Yokohama, e mesmo no coração da cidade, havia colinas verdejantes, e muitos ruas dos velhos bairros permaneciam. Senti-me especialmente seduzido pelo mar de coberturas de telha. Nos elétricos, a maioria das mulheres com mais de 40 anos usava quimono no outono e no inverno».
A estada da família durou apenas dois anos. Mas foi o suficiente para Alex se apaixonar, quando, ba companhia da mãe, visitou uma casa tradicional de uma família japonesa proeminente, nos arredores de Yokohama. Depois de passar por dois jardins e vários corredores, ele viu-se num espaço escuro, amplo e «absolutamente vazio, com exceção de algumas flores». Corria uma aragem pela casa. «Um espaço secreto separado do mundo lá fora, conjurava a sensação de que eu tinha sido transportado para um tempo antigo, muito antes de ter sequer nascido». Foi uma revelação.
Onosso autor regressaria ao Japão em 1971 para uma viagem de dois meses pelas zonas rurais. «As florestas primitivas ainda estavam de pé. Sentia-se a presença dos deuses». No ano seguinte voltou ao país para procurar uma casa. Naquela época, muitas habitações tradicionais tinham sido abandonadas, e várias ainda exibiam vestígios do quotidiano dos seus moradores – «o jornal aberto, restos de ovos estrelados na frigideira, peças de roupa e lençóis descartados, até as escovas de dentes no lavatório». Como se tivessem saído à pressa – ou a modernidade os tivesse expulsado de repente.
Em janeiro de 1973, numa pequena aldeia do vale de Iya, Alex entrou numa casa decrépita e poeirenta. Algumas traves to teto precisavam de ser substituídas e crescia musgo, e até pequenos pinheiros, no telhado de colmo. As negociações duraram seis meses.
Gostei especialmente desta comparação: «Diz-se que ter uma casa japonesa antiga é como criar um filho. Tem de se estar constantemente a comprar-lhe novas roupas». A reparação da cobertura iria revelar-se um desafio e tanto. Mas, naquela casa com um telhado de colmo que metia água, ele tinha finalmente encontrado o seu palácio.
O palácio com telhado de colmo
«Diz-se que ter uma casa japonesa antiga é como criar um filho. Tem de se estar constantemente a comprar-lhe novas roupas.»