O Matuto e “Certas” Palavras

O Matuto ainda tem dificuldade em verbalizar a palavra ‘cardápio’ para se referir ao menu dum restaurante. Em Portugal o menu também pode ser ‘lista’ ou ‘ementa’. Mas nunca cardápio, como aqui no Brasil, mesmo sendo uma palavra simpática.

O Matuto está a pular de felicidade. Bom, “pular” é um eufemismo. O Matuto no seu estado avançado de matérias gordas, não pula. Saltita. Dá pulinhos. Pequenos, muito pequenos. Mas adiante! A felicidade do Matuto deve-se ao uso da palavra ‘inteiro’ nas caixas do leite (anteriormente) chamado ‘gordo’. O Matuto leu atentamente o artigo que saiu no Nascer do SOL aqui sobre o assunto – o artigo até trazia uma imagem comprovativa para os mais cépticos. A alegria do Matuto é intensa. Agora, já não é gordo, mas ‘inteiro’. O Matuto sente-se inteiro. E inteiramente assim. Qual é o homem que gosta de o ser só pela metade!? Por isso, quando pedirem uma descrição física do Matuto ele dirá com toda a convicção: sou inteiro! Acabaram as hesitações: será melhor dizer gordo ou gordinho? Talvez, forte ou grande! Acima do peso. Encorpado. Inchado. Bem alimentado. Não! Agora, o Matuto é inteiro! Antigamente, havia hipóteses queridinhas, tipo: roliço, anafado, balofo, rechonchudo, repolhudo. Antigamente, havia o poético: generoso de carnes. E, antigamente havia a desculpa romântica: “a minha mulher tem mais onde agarrar!” (é preciso dizer-se que a gentil esposa do Matuto, Dona Sirlei, nunca achou piada a esta desculpa esfarrapada) Agora não! As dúvidas semânticas sumiram. O Matuto é inteiro.

É claro que as palavras serão sempre um terreno minado – pondera o Matuto. O Matuto ainda tem dificuldade em verbalizar a palavra ‘cardápio’ para se referir ao menu dum restaurante. Em Portugal o menu também pode ser ‘lista’ ou ‘ementa’. Mas nunca cardápio, como aqui no Brasil, mesmo sendo uma palavra simpática. O Matuto sabe de fonte segura que “char” vem do latim e tem a ver com ‘folha escrita’; e “dapis” significa ‘comida’, portanto: uma folha escrita com a comida disponível. Para o Matuto faz todo o sentido.

O Matuto lembra-se duma crónica antiga do Rubem Braga onde ele dava conta da sua admiração por um certo jornalista que mantinha um “canhenho de pessoas inumadas”. Naturalmente que o enlevo do Rubem Braga para com as reportagens do jornalista tinha mais a ver com as palavras sofisticadas usadas do que com o conteúdo. O estimado leitor que faça a pesquisa…

Entretanto, o Matuto constata que aqui neste país que tão generosamente o acolheu no seu seio, há verbos que têm feito aparições triunfantes. Por exemplo ‘obstaculizar’. Longe do Matuto ‘obstaculizar’ a marcha do progresso. O Matuto nunca obstaculizará o uso do adjectivo ‘inteiro’ para descrever um ‘gordo’. ‘Inserir’ é outro verbo de uso frequente aqui no Brasil. Nunca se diz ‘meter’ que tem conotação sexual. ‘Meter’ é tabu social. Há dias o Matuto foi no supermercado e estava já pronto para pagar a conta. De cartão em riste, disse: “posso meter”! A menina do caixa arregalou o olho de medo. Envermelhou de raiva. Quase subia nas tamancas! Certamente pensou: “quem é este velho inteiro? Vou obstaculizar esta atitude”! O Matuto emendou: “perdão, posso inserir o cartão”? E, saiu dali meio à desfilada. Safa! Essa foi por pouco, ó Matuto!

É bom que se diga que o Matuto não é catastrofista. Toda a gente sabe que os peixes morrem pela boca. Mas, por vezes, os terráqueos também – remata o Matuto.