A cimeira anual do Fórum Económico Mundial (FEM) em Davos, na Suíça, chega hoje ao fim após quatro dias de eventos. Um encontro sobre o qual recaem as atenções do mundo todos os anos e que conta com um leque alargado de líderes mundiais. O objetivo do fórum, tal como consta no website oficial, é «enfrentar os principais desafios mundiais e regionais», que inclui a «resposta a choques geopolíticos, o estímulo ao crescimento para melhorar os padrões de vida e a gestão de uma transição energética justa e inclusiva».
Este ano, o colóquio gira em torno do tema «Colaboração para a Era da Inteligência» e contou com a participação de 3 mil indivíduos e com os testemunhos de mais de cinquenta chefes de Estado e outros líderes mundiais.
A (nova) crítica de Milei
O FEM tem de influente aquilo que tem de controverso, provocando um vasto leque de críticas que, por vezes, surgem dos próprios palestrantes. O exemplo mais evidente é o do Presidente argentino, Javier Milei, que discursou de novo este ano após uma intervenção onde não poupou críticas em 2024. «Há um ano», começou Milei, «estive aqui perante vós na solidão, dizendo algumas verdades que foram recebidas com alguma surpresa e espanto por grande parte do establishment político, económico e mediático ocidental». À data, o economista refutou várias teses que pareciam aceites pela maioria e criticou especialmente o socialismo, garantindo que o Ocidente caminhava para o abismo. «Um Presidente desse país [que tinha perdido praticamente toda a sua relevância internacional] levanta-se neste estrado e diz ao mundo inteiro que estão errados», continuou.
«Um ano depois», disse, «devo dizer que já não me sinto sozinho. Não me sinto sozinho porque o mundo abraçou a Argentina» que se transformou «num exemplo mundial de responsabilidade fiscal, de compromisso com as nossas obrigações, de como terminar com o problema da inflação e também de uma nova forma de fazer política que consiste em dizer a verdade na cara às pessoas e confiar que entenderão». Uma passagem do discurso que descreve bem as novas dinâmicas políticas mundiais que tiveram lugar em 2024, atingindo o apogeu com a vitória de Donald Trump sobre Kamala Harris.
Também não faltaria uma dura crítica ao wokismo: «Lentamente, o que parecia uma hegemonia absoluta a nível global da esquerda woke na política, nas instituições educativas, nos meios de comunicação, em organismos supranacionais, nos fóruns como o de Davos, foi-se desfazendo e começa-se a vislumbrar uma esperança para as ideias da liberdade». «(…) fóruns como este», continuava, «têm sido protagonistas e promotores da agenda sinistra do wokismo que tão mal está a fazer ao Ocidente».
O reverso da medalha
Se Milei usou meia hora para condenar tudo o que já antes foi mencionado, outros líderes dispuseram do seu tempo de púlpito para propagar uma mensagem que pode ser considerada diametralmente oposta.
O Presidente do Governo de Espanha, Pedro Sánchez, continua no poder mesmo com uma governação instável desde as eleições de julho de 2023. Assolado por casos de corrupção e por uma maioria instável, dependente de partidos independentistas catalães, o líder do executivo espanhol tenta manter-se à tona. O seu discurso em Davos, na quarta-feira, está em linha com vários outros, focando-se principalmente no perigo das redes sociais e dos magnatas que as controlam.
Mostrando-se abertamente contra a «impunidade» destes titãs da tecnologia, Sánchez articulou um paralelismo com o setor da restauração. «O proprietário de um pequeno restaurante é responsabilizado se a sua comida envenenar um cliente, o proprietário de uma rede social deve ser responsável se envenenar a nossa sociedade». Num esforço crítico continuo à conduta das grandes empresas que detêm as mais influentes redes sociais, o que salta inevitavelmente à vista na intervenção do líder espanhol é uma proposta controversa que acabaria com o anonimato nas chamadas praças públicas digitais. E Sánchez foi perentório: «Temos de acabar com o anonimato nas redes sociais». «Nos nossos países», continuou, «ninguém pode conduzir sem carta, mas continuamos a permitir que as pessoas naveguem [na Internet] sem associar o seu perfil a uma identidade real». É uma medida que faz soar os alarmes quanto ao direito à privacidade dos cidadãos, mas o primeiro-ministro espanhol antecipou a resposta a essa questão: «Os cidadãos têm direito à privacidade, não ao anonimato ou à impunidade».
Também o Secretário-Geral das Nações Unidas, António Guterres, proferiu um discurso mais na linha de Sánchez do que de Milei, como seria de esperar. O ex-primeiro-ministro português focou-se em assuntos como a Inteligência Artificial desgovernada, a alfabetização digital e os direitos humanos, o «vício autodestrutivo» em combustíveis fósseis e o ataque às grandes empresas que não estão totalmente comprometidas com os objetivos climáticos estabelecidos. O português acabou a intervenção com um apelo à colaboração e à promoção do progresso, bem em linha com todas as suas outras declarações.
Posto isto, chega ao fim um evento que levanta sempre polémica e que dá palco aos principais intervenientes do xadrez político internacional, exercendo assim, naturalmente, uma influência alargada.