Luís Marques Mendes foi o primeiro a avançar com uma candidatura a Belém. Desde o ano passado que se percebia essa vontade, constantemente reprimida. E agora não aguentou mais. O cartão-de-visita que apresentou foi a sua experiência política. O país está num momento difícil, com o Parlamento muito fragmentado, pelo que mais do que nunca precisa de alguém capaz de fazer ‘pontes’ entre os partidos políticos. Ou seja, de conseguir pôr os partidos a falarem uns com os outros.
Comentando esta candidatura, Sérgio Sousa Pinto saudou o avanço de Marques Mendes e adiantou que o Presidente da República deve ser alguém ‘normal’.
Não precisamos de um D. Sebastião, de um homem providencial, mas sim de um cidadão comum, dotado de bom senso.
Aparentemente, tanto Sousa Pinto como Marques Mendes tinham na cabeça o mesmo fantasma: Gouveia e Melo.
Aliás, Marques Mendes não se apresentou propriamente a si próprio: apresentou-se mais como um contraponto ao almirante.
Disse nas entrelinhas que, enquanto este é um homem sem experiência política, que irá candidatar-se à Presidência sem antes ter desempenhado cargos políticos, ele, Marques Mendes, é um homem traquejado, que anda na política há muitos anos, que foi líder de um partido, secretário de Estado e ministro.
No fundo, Marques Mendes quis apontar os riscos de Portugal ter em Belém alguém politicamente inexperiente como o almirante Gouveia e Melo.
Mas – pergunto eu – deverá o Presidente da República limitar-se a ser um homem ‘normal’ e ‘experiente’? Não deveremos alimentar a ambição de ter na Presidência um homem excecional, capaz de mobilizar as energias do país e inspirar os cidadãos?
Não significa isso necessariamente um D. Sebastião, mas um homem com ideias, com objetivos e com causas.
Com causas capazes de puxar Portugal para cima.
Durante alguns anos, falou-se de um tema que parecia capaz de dar ao país um desígnio e congraçar vontades.
Criaram-se comissões, grupos de trabalho, até um ministério.
Refiro-me ao Mar.
Mas, como muitas vezes acontece em Portugal, o dia-a-dia acabou por absorver todas as preocupações e energias, e a ideia perdeu-se, assim como todo o esforço feito.
O mar é o maior ativo que Portugal possui. Com uma zona económica exclusiva que é a terceira da União Europeia e a 20.ª maior do mundo, com uma plataforma continental gigantesca cujo alargamento está em estudo, com uma costa extensa e aprazível beneficiada por um clima temperado, Portugal não pode desperdiçar esse capital.
Ao nível do turismo e dos desportos náuticos, da pesca, da produção de peixe e mariscos em viveiros on e offshore, da indústria extrativa, da captação de algas para fins medicinais, Portugal tem condições únicas que é um crime não aproveitar ao máximo.
Até porque esse património se cruza com a sua história, o que lhe dá um peso acrescido.
Mais: se Portugal é periférico em relação à Europa, é central no que respeita às rotas marítimas, situando-se no cruzamento de três continentes, tornando os portos portugueses especialmente atrativos.
Finalmente, Portugal tem responsabilidades a nível europeu e global na vigilância das águas territoriais e no controle da emigração vinda do Sul.
Ora, aqui está uma ‘causa’ que qualquer candidato à Presidência da República pode abraçar, pois trata-se de uma verdadeira ‘causa nacional’, sem conotações ideológicas. Claro que, neste aspeto, a vantagem está toda do lado de Gouveia e Melo, por razões óbvias.
Mas há outras causas possíveis: o crescimento económico, o aumento da natalidade, a valorização do património artístico, a defesa nacional, a melhoria ambiental, a desburocratização do Estado, a luta contra a corrupção.
O Presidente da República não pode limitar-se a ser um ‘homem normal’, nem um simples facilitador de contactos entre os partidos.
Sem se apresentar como um ‘homem providencial’, como um D. Sebastião, pode ajudar a potenciar Portugal, a dar-lhe objetivos, a definir desígnios capazes de mobilizar os portugueses.
Para um Presidente da República, ser um ‘homem normal’ é muito poucochinho.