A estrela

A chef Marlene Vieira faz muito provavelmente parte da última geração que pode afirmar sem problema que o seu primeiro contacto com o mundo do trabalho foi aos 12 anos.

Tornou-se um dos nomes da última semana por ser a primeira mulher a conquistar a solo, em Portugal, uma estrela Michelin nos últimos 30 anos, precisamente o tempo de trabalho que conta na área. Natural da Maia, Marlene Vieira faz provavelmente parte da última geração que pode afirmar sem problemas que o seu primeiro contacto com a culinária foi aos 12 anos, durante as férias de verão. O pai, talhante à época, teve influência nos passos iniciais. Em entrevista à Luz, em dezembro de 2023, recordava quando ia entregar carne a vários restaurantes e como esse momento, e um restaurante em particular, a marcou: «(…) o Costa Brava era um restaurante super moderno, para a altura. Até pela forma como os cozinheiros se vestiam, já usavam jaleca e barrete. E o modo como comunicavam… Não tinha nada a ver com aquela que via nos outros restaurantes onde entrava. Aquilo parecia um ambiente familiar, mas ao mesmo tempo com ordem. É o que chamamos de caos organizado. Porque há muita coisa a acontecer ao mesmo tempo, mas há ali um espírito militar, de certa forma. Cada um está a fazer a sua tarefa, e de forma muito rigorosa». E continuava: «Há ali uma hierarquia de comando. E aquilo atraiu-me, por alguma razão. É como se tivesse feito um raio-x e pensado ‘Pertenço a este mundo!’. E pedi ao meu pai para ir para lá nas férias de verão».
O rigor e a organização tornaram-se características principais desde criança, levando mesmo ao desejo revelado aos pais de sonhar com a tropa.
Mas o caminho iniciado já não tinha marcha atrás.
Provavelmente a distinção agora conseguida – considerada para a maioria dos chefes como o topo – ganhou um sabor ainda mais especial já que vem após um dos momentos mais complicados para o setor, com a pandemia a revelar-se a maior prova de fogo.
Sobre esse período adverso, nessa mesma entrevista, recordava: «(…) pensei: ‘Tenho de trabalhar, toca a fazer take-away!’. E no meio disto tenho sorte porque, de uma maneira ou outra, vou-me safando». «Dificilmente olho para as coisas negativas. Tem de haver sempre uma solução. Nasci assim, é o meu instinto de sobrevivência», garantia.
Foi depois da tormenta que abriu Marlene, o restaurante que agora acaba de receber o prémio mais desejado do cardápio dos reconhecimentos.
É esta determinação e reconhecido brio profissional que deixam em aberto a possibilidade de sonhar com novas estrelas.