Que Donald Trump é uma figura heterodoxa já era sabido. Mas, neste segundo mandato, assistimos a uma mudança total na forma de fazer política e as duas últimas semanas comprovam-no. Das posições sobre a Ucrânia ao vídeo produzido por Inteligência Artificial sobre Gaza, o Presidente americano inaugurou uma nova era na política.
Na semana passada, Washington e Moscovo sentaram-se de novo à mesa. Em Riade, o Secretário de Estado americano, Marco Rubio, e o ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Sergei Lavrov, discutiram a paz na Ucrânia, marginalizando tanto a Ucrânia quanto a União Europeia. Soaram os alarmes e Macron agendou um almoço de urgência no Eliseu. Depois veio a bomba: o comunicado de Trump, onde acusa Zelensky de ser um «ditador» por não permitir eleições, de ter uma taxa de aprovação mínima e até, veja-se, de «entrar numa guerra que não podia ser ganha». Ora, estas três acusações não são reais e podem revelar duas coisas: ou Trump foi mal informado, ou fê-lo para pressionar o presidente ucraniano – que não aceitou o acordo dos minerais inicial proposto pelos EUA – e a UE. Seja qual for o motivo, as afirmações são categoricamente falsas.
Não é, de todo, um absurdo não haver eleições em tempo de guerra. Já foram dados vários exemplos, principalmente o do Reino Unido na II Guerra Mundial, e parece lógico que um país que luta pela sua sobrevivência, com recursos muito mais limitados que o seu adversário, não os canalize para uma eleição. Para além disto, há três dias, o Parlamento ucraniano aprovou uma resolução que reforça a legitimidade de Zelensky e que confirma a realização de eleições só após o levantamento da lei marcial. Quanto à taxa de aprovação, está muito longe dos 4% que Trump mencionou. Uma sondagem financiada pela Academia Britânica mostra que 26,1% «aprovam completamente» as ações do Presidente ucraniano e que 36,9% «tendem a aprovar». E, claro, o responsável pela guerra, e o único ditador, é Vladimir Putin. Zelensky entrou no conflito não porque quis, mas porque era a única via para não ser engolido pelo urso russo.
Depois veio a famosa votação nas Nações Unidas, onde os EUA votaram ao lado da Rússia, da Bielorrússia e da Coreia do Norte. Vaticinou-se, desde logo, o fim do Ocidente. Não me parece que assim seja. Como explicou o professor Carlos Gaspar há dias no Público, «A prioridade do Presidente Trump (…) é concentrar as capacidades dos Estados Unidos (…) na contenção da China (…) e restaurar um quadro de normalidade nas relações com a Rússia e com a República Popular da China». Porém, na segunda-feira, o Financial Times avançou que houve um acordo entre Ucrânia e EUA, com mais detalhes ainda por apurar. Trump mudou a retórica, mencionando até direito dos ucranianos para «continuar a lutar», e Zelensky está hoje na capital americana.
Para além deste assunto, o 47.º Presidente publicou um vídeo produzido por IA, onde mostra Gaza como um resort de luxo e com estátuas douradas do próprio, que aparece a desfrutar de um cocktail na piscina com Benjamin Netanyahu. Seria realmente impensável que um vídeo deste tipo fosse publicado por um Presidente dos EUA, mas foi mesmo.
Tudo isto aconteceu num período de menos de duas semanas. Com Trump, a política deixa de ser previsível, para o bem e para o mal, mas é certo que esta segunda administração assenta num plano, e numa equipa, que tem um objetivo claramente definido, ao contrário do que aconteceu entre 2017 e 2021. Talvez no futuro, a história verá o período 2025-2029 como algo concreto e não apenas como quatro anos de devaneios presidenciais.