Uma nova ordem sem instituições

Trump é um calculista prepotente, a caminhar a passos largos para concretizar o sonho de Henry Kissinger de uma única superpotência, enquanto a sua horda manietada aplaude em êxtase as suas fanfarronices

Qualquer pessoa razoável e de bom senso ficou chocada perante os momentos vividos na sala oval da Casa Branca, entre os presidentes norte-americano e ucraniano, mais ainda quando nos apercebemos que não se tratava de uma encenação. Passado o embate, é importante refletir sobre a emboscada onde Zelensky caiu por extrema necessidade e a quem serviu aquele desrespeito. Ao contrário do que se possa pensar, o mundo não enlouqueceu de vez e as intenções são transparentes.

Trump é um calculista prepotente, a caminhar a passos largos para concretizar o sonho de Henry Kissinger de uma única superpotência, enquanto a sua horda manietada aplaude em êxtase as suas fanfarronices. 

Os sinais foram aparecendo desde o início, com a renomeação do canal do México à Gronelândia, passando pelas tentativas de subversão e de interferência nas escolhas democráticas em vários países europeus, por si ou pelos seus correligionários, chegando ao ponto de ofender e humilhar em cimeiras onde surgiram como convidados.

Para atingir os seus fins, numa lógica recuperada de visões dominantes anteriores, precisa de se fechar economicamente e de parar de alimentar os outros, obrigando a Europa a aumentar os investimentos no campo militar e encurralando mais tarde a Rússia e a China. Com Israel como aliado preferencial, o próximo passo estará virado para o Irão, o verdadeiro alvo deste cúmplice, porque Gaza foi apenas uma pedra nesse caminho.

Por outro lado, perante espetadores progressivamente contaminados pela descrença, esta filosofia necessita do desrespeito pelas instituições, sentenciando o fim do institucionalismo que tanto lhe interessa, bem caracterizado por Elon Musk de boné e aos pulos na sala oval. Assim se legitima a exclusão das Nações Unidas e a colocação da Europa fora de jogo tanto na Ucrânia como no mundo.

O romantismo terminou e, nesta nova ordem mundial de competição com interesses geoestratégicos virados em exclusivo para as suas economias, poderia surgir a maior oportunidade da Europa. Mas é provável que não seja devidamente aproveitada.

Em tempos perturbados, as novas regras do jogo global exigiam uma união forte e coesa na Europa, sem as suas incoerências internas e total ausência de uma agenda comum, preparada com antecedência para tal, de modo a ser competente para nos afirmar no palco internacional como uma potência única.

A excitação em torno do presidente francês demonstra bem a gritante carência de liderança na Europa, generalizada por Estados-membros incapazes de largar a tempo a dependência dos EUA, tendo como expoente uma Alemanha enfraquecida politicamente. Enquanto continuamos a falar a várias vozes, eles aproveitam.

Se a União Europeia foi criada para prejudicar os Estados Unidos, como afirma Trump, podemos pensar que ele surgiu para mudar o mundo e esse mérito ninguém lhe tira, por mais que custe. Nos próximos capítulos, a paz e a segurança mundiais só poderão aparecer pela capitulação dos mais fracos, e a Europa continuará ausente de qualquer papel relevante.