Cuidado com Taiwan 

Enquanto se discute, naturalmente, o futuro da Ucrânia, é importante que Taiwan não caia no esquecimento

Os holofotes da política internacional têm recaído sobre a guerra da Ucrânia e nas possíveis resoluções de um conflito que se arrasta há mais de três anos, mas é nos bastidores, onde opera uma diplomacia chinesa sempre silenciosa e prudente, que se está a reordenar realmente o sistema internacional.

Antes disso, importa abordar a Ucrânia e as perspetivas de uma eventual paz. O sonho quixotesco de Putin, cujo quadro mental lhe permitiu idealizar a tomada de Kiev numa questão de dias, transformou-se numa guerra de atrito que custou a vida a centenas de milhares de pessoas. O impasse foi criado e, entre avanços e recuos, o ponto de situação é claro: a Rússia domina agora aproximadamente 1/5 do território ucraniano e nenhum dos beligerantes conseguirá, no final de contas, chegar a uma vitória total. Se é verdade que Putin controla uma faixa de território no leste ucraniano e a Península da Crimeia, também é verdade que se torna difícil reconhecer que o Kremlin, mesmo na eventualidade de um acordo de paz que preveja a cedência destas zonas ocupadas, sai vitorioso desta contenda. A economia russa está decrépita, o número de baixas é avultado e Kiev está longe de cair. 

Do outro lado, a bravura ucraniana, personificada por Zelensky, cuja frase “I need ammunition, not a ride” no início da guerra ecoará certamente na história, é admirável. Ninguém tem dúvidas que um regresso às fronteiras pré-2014 seria o resultado ideal, significando uma  derrota fatal para o Kremlin, mas pouca gente duvida que tal não é concretizável. Sempre útil, a história apresenta-nos dois caminhos possíveis para a Ucrânia quando as balas pararem de voar, tal como Niall Ferguson apontou de forma lapidar: o caminho de Seul ou o de Saigão. No primeiro caso, mesmo amputada após um conflito que dividiu a península da Coreia, a Coreia do Sul, forçada pelo então presidente Eisenhower a aceitar o cessar-fogo e adotando um sistema de matriz ocidental, logrou um desenvolvimento económico – o milagre do Rio Han – admirável. No segundo, após a retirada das tropas americanas em 1972 e na sequência do frágil Acordo de Paz de Paris de 1973, prontamente quebrado, Saigão, a capital do então Vietname do Sul, acabou por cair em 1975 às mãos dos comunistas do Norte. Esperemos que Kiev siga o exemplo de Seul.

Voltando ao jogo de xadrez superior travado entre Washington e Pequim, parece-me importante não reduzir as recentes aproximações – algumas excessivas, é certo – de Trump a Moscovo a um mero apaziguamento. Para desgosto dos republicanos que têm controlado o GOP nas últimas 2 ou 3 décadas, Trump é mais Nixon que Reagan. Concordando-se ou não, é o que é. A tentativa de reavivar a diplomacia triangular – afastando a Rússia da China – é evidente, mas desta vez com os papéis invertidos, sendo que a China suplantou a União Soviética como grande potência nesta II Guerra Fria. Mas nem só na troca de posições na hierarquia de poder mundial reside a diferença entre 1970 e 2025. Em 1970, a China e a URSS digladiavam-se em duas fronteiras – na física e na ideológica – e ambas as economias estavam relativamente desenlaçadas. Hoje, nem as amarras ideológicas nem as disputas fronteiriças existem e a interdependência económica é incomparavelmente superior. Assim sendo, explorar as divergências entre os regimes comunistas na época de Nixon era uma tarefa relativamente mais simples. 

Mas é sobretudo a questão de Taiwan que preocupa. As previsões apontam que, por volta de 2027, a China avançará pelo território que considera seu. E não da forma que Putin o fez na Ucrânia, mas de uma maneira mais subjetiva e cuja resposta não deverá ser fácil de orquestrar. Perdendo Taipei, total ou parcialmente, os Estados Unidos ficarão claramente em desvantagem na Guerra Fria. Por isso, cuidado com Taiwan.