Deitar com a Direita e acordar com a esquerda

Um Chega bem acima de 20% torna muito difícil a continuidade do fingimento do bloco central. Uma vitória eleitoral do Chega impossibilita em definitivo a farsa institucional onde se alternam, no mesmo centro inamovível e inoperante.

As aristocracias contemporâneas – compostas por governantes, tecnocratas, jornalistas, intelectuais – replicam o olhar condescendente dos Salinas no clássico de Tomasi di Lampedusa, O Leopardo. Olham com indisfarçável desdém para os Sedaras do nosso tempo: líderes populistas que recusam o protocolo, que dizem o que o povo pensa, que ousam existir sem pedir licença, que se atrevem a representar os excluídos da representação. As forças crepusculares, confortavelmente instaladas na sua varanda ao pôr-do-sol, chamam-lhes ruidosos, perigosos, incultos, extremistas. Mas a sua existência não é acidente: é necessidade. A sua ascensão não é patologia: é diagnóstico. O crescimento de partidos como o Chega não é uma aberração. É a consequência direta e inevitável de décadas de simulacro político, em que a direita finge ser de direita e a esquerda finge ser indispensável.

A figura de Dom Calogero Sedara simboliza algo de muito profundo e recorrente na história política moderna: a ascensão dos excluídos, dos esquecidos, dos “humilhados e ofendidos” – dos que não falam a língua envernizada das elites, mas o dialeto do povo. Ruminada nos bastidores do mundo elegante, a sua vitória não é apenas um episódio literário de província: é um momento de transição histórica. Porque o povo não se faz ouvir quando o seu silêncio se torna resmungo. Nem sequer quando o seu resmungo se torna grito. O povo faz-se ouvir quando o seu grito se reconhece, toma consciência de si mesmo. O povo faz-se ouvir quando o seu grito, atingindo o seu ponto de inflexão na descoberta de um sentido, se torna voz.

O seu triunfo marca a ruína da aristocracia enquanto classe dirigente e o início de uma nova ordem onde o exercício do poder já não depende da hereditariedade, mas da habilidade de conquistar espaço onde antes só havia exclusão. Sedara já não se limita a recolher, à devida e deferente distância, as migalhas benevolentes que caem da mesa dos Salinas: toma assento na mesa e reclama para si o prato principal.

Sedara é, portanto, um símbolo literário de uma verdade inescapável: os movimentos populares, quando chegam ao poder, raramente o fazem com heroísmo romântico ou paciência estoica. Chegam com pressa, com urgência, com impaciência. Os Sedara são, contudo, uma resposta, mais do que uma reação. Dom Calogero não é uma anomalia da história. É o seu resultado inevitável. Menos um intruso do que um sinal, é ele quem anuncia que, quando a história tenta corrigir as suas injustiças, raramente o faz com recurso e respeito à etiqueta. Sedara representa o povo que que irrompe, não que é acolhido.

Representante político desta quase-revolução de base popular, o Chega cumpre uma função estrutural absolutamente essencial à regeneração política em Portugal: romper o teatro do consenso. Um Chega bem acima de 20% torna muito difícil a continuidade do fingimento do bloco central. Uma vitória eleitoral do Chega impossibilita em definitivo a farsa institucional onde se alternam, no mesmo centro inamovível e inoperante, os Salinas socialistas e social-democratas. Um centro, na prática sempre de esquerda. Sedara é o instante em que a história siciliana muda de mãos: o Chega é o instante em que a democracia portuguesa toma nas mãos o seu destino.

Vivemos, pois, um tempo liminar. Uma encruzilhada histórica em que a velha ordem política já não consegue esconder os seus sinais de ocaso, mas em que as forças que lhe deram forma ainda lutam, cada vez mais desesperadamente, pela sua sobrevivência. Em Portugal, como noutros pontos da Europa e do mundo ocidental, o sistema político está esgotado, corroído por décadas de consensos ocos, de alternância sem alternativa, de uma democracia sem verdadeira escolha.

O risco que enfrentamos é claro: no próximo dia 18 de maio, muitos eleitores, desejosos de mudança real, votarão julgando eleger um governo de direita, mas poderão vir a acordar no dia seguinte com um governo de esquerda, sob a forma de bloco central: um acordo mais ou menos disfarçado entre a esquerda dominante e o suposto centro-direita tradicional, que perpetuará precisamente aquilo que é urgente mudar. Este cenário não é uma fantasia: é a repetição exata do que o sistema tem garantido ao longo das últimas décadas. São os nossos Salinas continuando a recusar-se a aceitar que os novos Sedaras se sentem à mesa.

Desde há muito que a direita em Portugal não governa verdadeiramente à direita. Mesmo quando vence eleições, fá-lo com a condição de não contrariar o espírito do regime, moldado e dominado pelas ideias da esquerda. Governa por concessão e em gestão – e apenas durante o tempo estritamente necessário a não beliscar os tabus ideológicos instituídos. Tudo isto agravado com o derrube dos muros à esquerda em 2015, enquanto a direita se distrai com linhas vermelhas. O resultado, como não poderia deixar de ser, é um velho simulacro de alternância: políticas com retoques, nunca com ruturas; reformas superficiais, nunca estruturais. A única força capaz de romper com esta lógica decadente é o Chega, que, com muita força eleitoral, torna inviável qualquer entendimento com o Partido Socialista ou com as esquerdas em geral. Um Chega forte é a única garantia de que a direita governará, pela primeira vez em muitos anos, realmente à direita – com coragem, com clareza e com compromisso reformista.

O chamado bloco central, seja de governo ou de incidência parlamentar, é a estratégia de sobrevivência do sistema em fim de vida. É a aliança tácita que prolonga a hegemonia da esquerda, mesmo quando esta não tem maioria. É a hegemonia sem a maioria. É a minoria política prevalecendo sobre a maioria sociológica. E o suposto centro-direita tradicional, mesmo sem assumi-lo, aceita essa condição de subordinação, este ritual de vassalagem. Não apenas por fraqueza, obviamente, mas por cumplicidade. Instalado confortavelmente no sistema, é um dos seus pilares. A sua captura e menorização ideológicas fazem parte da sua estratégia de perpetuação.

É por isso que não basta mudar de governo. É necessário mudar de paradigma. É necessária uma “quase-revolução”: um sobressalto cívico e político, uma deslocação firme e determinada, em profundidade e energia, do centro de gravidade da vida política nacional. E essa mudança imparável já começou noutras partes do mundo. Nos Estados Unidos, em vários países da Europa e até dentro das instituições da União Europeia, começa a afirmar-se uma nova constelação de direitas – populares, conservadoras, liberais, cristãs, soberanistas – unidas na recusa do consenso progressista e da erosão dos valores que sustentam comunidades orgulhosas e nações vivas. Essa nova direita, como Dom Calogero Sedara, não é apenas reativa: representa um projeto, tem uma visão e carrega um sentido de futuro.

Em Portugal, essa nova direita popular só tem uma expressão política: o Chega. Só o Chega conseguiu romper com o sistema bipartidário apodrecido e abrir caminho a uma nova reconfiguração política tripartidária. Só o Chega pode forçar um novo bipartidarismo entre uma esquerda em declínio e uma nova direita determinada que quer alcançar a hegemonia política, ideológica, programática e cultural. No próximo dia 18 de Maio, votar no Chega não é, portanto, apenas mais um gesto de protesto, esgotando-se na descarga da sua própria frustração. É um gesto de esperança e de reconstrução. Porque só um Chega forte poderá: pôr fim ao domínio ideológico da esquerda no Estado e nas instituições; travar a imigração ilegal e o crescimento da insegurança; enfrentar com seriedade a corrupção e restaurar a autoridade do Estado; responder à crise da habitação, intensificada por pressões externas; baixar impostos; desburocratizar; reformar o Estado; proteger a agricultura, as pescas, as pequenas e médias empresas; e, acima de tudo, restaurar os valores fundamentais de uma comunidade política: liberdade, Pátria, família, vida, segurança, trabalho, honra, lei e ordem.

A escolha, pois, é clara. A ilusão, porém, também é forte. Milhões votarão à direita convencidos de que estão a mudar o rumo do país – e podem descobrir, talvez demasiado tarde, que contribuíram para mais do mesmo, votando, no fundo, contra si mesmos. Cuidado, portanto, com o voto na direita que perpetuará a esquerda.

No próximo dia 18 de maio, votar no Chega é mais do que uma escolha de um partido: é uma garantia de que não nos deitamos com a Direita e acordamos no dia seguinte com a Esquerda.

Sedara é o instante em que os indesejáveis se tornam inevitáveis. E quando a estética do poder já não basta para ocultar o seu vazio, chega a hora dos que falam alto, dos que não pedem licença, dos que entram sem convite. A tragédia dos Salina não é serem derrotados, é não entenderem que já perderam. E é essa cegueira vaidosa que transforma o triunfo dos Sedara numa absoluta necessidade democrática.

Eurodeputado eleito pelo Chega