Não frequentei o Técnico, não sou engenheiro e não entendo a física da produção e transmissão de energia. Também não quero parecer um Dr. Pangloss, para quem «tudo é para o melhor no melhor dos mundos possíveis». Mas quer-me parecer que a resposta ao apagão, embora não isenta de falhas, foi mais eficaz do que as acusações de «falhanço» e «demora» na reação sugerem. Por exemplo, até à meia-noite de 29 de abril, o abastecimento foi totalmente restabelecido em Portugal, num processo que demorou cerca de 10 horas. Em comparação, a Espanha levou quase 23 horas para alcançar o mesmo nível de recuperação, o que destaca a eficiência relativa da resposta portuguesa. A gestão de serviços críticos também foi razoavelmente bem-sucedida com, por exemplo, os hospitais a não reportaram constrangimentos graves.
Apesar dos relativos sucessos, a resposta enfrentou desafios significativos, particularmente na comunicação com a população e no funcionamento do SIRESP. O Governo comunicou pouco e, sobretudo mal, com destaque para o ministro Castro Almeida que, ou muito me engano, virá a ser uma das fatalidades do apagão. Sobre o SIRESP estamos conversados: demonstrou mais uma vez (será terceira ou quarta) que não serve. Terem-se gasto 700 milhões nesse sistema não é razão para o manter: como se ensina em Economia ‘let bygones be bygones’.
A eletricidade não foi, contudo, a única ausente no dia 28. Também o senso comum de comentarista e políticos sofreu um verdadeiro apagão. Em contrapartida, a demagogia e as ‘previsões de final do jogo’ continuaram cintilantes. Os exemplos abundam. Disseram uns que tudo o que correu bem (ou menos mal) se deveu à proteção civil, aos bombeiros, aos técnicos da REN e da E-Redes e a muitos outros, anónimos, que ‘safaram a situação’ sem qualquer contributo ou liderança do Governo. Não sei. Mas, se de facto assim foi, é um bom sinal, um sinal de que podemos confiar nos mecanismos existentes e que o sistema é resiliente. Mal estaríamos se a reação de emergência a uma crise dependesse da iniciativa ou liderança de qualquer governo.
Outra observação meio tonta é que este evento evidenciou uma brecha na soberania nacional. Nada disto teria acontecido, dizem alguns, se fossemos autossuficientes sem estarmos dependentes do estrangeiro. Na realidade, contudo, o país restabeleceu o fornecimento de energia precisamente porque conseguiu entrar em autarcia energética, provando que os sistemas redundantes, como os geradores a combustíveis fósseis, foram resilientes. Exportamos ou importamos energia porque e quando é economicamente vantajoso. (No dia em quer vos escrevo temos, por exemplo, um saldo exportador). Na sua essência esta linha de raciocínio é o equivalente a dizer que se não tivéssemos comércio com os EUA não seriamos afetados pelas tarifas de Trump. Sim de facto! E estaríamos melhor? A autarcia energética como a económica não é solução. Diversificar as dependências, isso sim, é muito avisado.
Talvez que mais me impressionou na generalidade dos comentários foi o desejo manifesto, quase pueril, de segurança. A expectativa de ‘segurança absoluta’ em eventos como o apagão de 28 de abril é irrealista. Não há risco zero em sistemas elétricos complexos. A rede elétrica europeia é altamente interligada, o que aumenta a eficiência, mas também a vulnerabilidade a falhas em cascata. São os benefícios e os riscos da globalização. E, se pensarmos bem, não existe risco zero em nada nesta vida. Ainda se fosse materialmente possível, seria certamente economicamente inviável assegurar proteção absoluta à prova de todo e qualquer risco, em especial daqueles que, sendo sem dúvida custosos, são raros. Resume-se, no fundo, de multiplicar o prejuízo estimado do sinistro pela probabilidade da sua ocorrência.