Suicídio político

Mesmo com as oportunidades oferecidas por Trump, os democratas poderão cometer um suicídio político

Os democratas abrem cautelosamente a porta a outra candidatura de [Kamala] Harris em 2028», pode ler-se no título de uma notícia do The Hill na segunda-feira. Haveria melhor forma para o Partido Democrata declarar o seu suicídio político do que voltar a apresentar Kamala Harris no seu ticket presidencial? Com a última eleição ainda bem presente na mente dos americanos, e cujas lições não requerem propriamente uma capacidade de compreensão política acima da média, como pode tal possibilidade estar a ser sequer considerada?

Caso se materialize, seria apenas a segunda tentativa de chegar à Casa Branca, após uma derrota desde a candidatura de Richard Nixon em 1968. A primeira foi a mais recente de Donald Trump, com a importante diferença de que este último já havia sido presidente. Hillary Clinton é um bom exemplo que a história recente nos dá. A ex-primeira-dama não concorreu em 2020 após ter falhado, por pouco, a eleição em 2016. E é importante relembrar que Clinton venceu, por 3 milhões, o voto popular. Harris perdeu por mais de 2 milhões, perdeu a maioria no Senado e perdeu ainda eleitorado em praticamente todos os setores, dos afro-americanos aos latinos. A ex-vice-presidente de Joe Biden foi também incapaz de entregar um programa coerente, baseando a sua curta campanha eleitoral numa retórica anti-Trump e sendo, umas vezes com mais intensidade, outras vezes com menos, um amplificador da ideologia woke. 

Alguns democratas, como o Senador Martin Heinrich do Novo México, citado na peça do The Hill, acreditam que Harris «não beneficiou» de uma campanha completa, tendo sido a candidata à presidência por cerca de apenas três meses. E talvez tenha sido este curto espaço temporal a razão pela qual não conseguiu cimentar uma plataforma que a conseguisse distanciar de Joe Biden nem do facto de que o partido, e a própria, claro, tenha tentado encobrir o evidente declínio físico e cognitivo do então incumbente. Ou será que não? 

De acordo com um «democrata proeminente», citado pelo jornalista Peter Savodnik numa publicação no X, o que aconteceu foi precisamente o oposto. «Os democratas gostam de pensar que Harris perdeu porque não teve tempo suficiente para apresentar o seu argumento», mas a verdade é que «perdeu porque teve tempo demais». A última frase desta fonte é especialmente arrebatadora: «Se ao menos os eleitores soubessem menos sobre ela, poderia ter conseguido uma vitória». 

A 5 de novembro de 2024, através da derrota de Kamala Harris, a plataforma woke sofreu um duro golpe. Mas, na mesma data, e principalmente desde 20 de janeiro e 2 de abril de 2025, outros aspetos – e estes bem mais importantes para os Estados Unidos que o wokismo – levaram também uma forte machadada. Donald Trump e o seu vudu económico que pode levar em breve os americanos a uma recessão e a um aumento generalizado dos preços como consequência, maioritariamente, da sua política comercial mercantilista, está a escancarar a porta da Sala Oval a um democrata em 2028. Mas apenas a um democrata que seja mais Bill Clinton ou John F. Kennedy do que Bernie Sanders ou Alexia Ocasio-Cortez. Uma presidência que volte a sublinhar a importância dos Estados Unidos como principal potência – ou império –, que reforce o poder e os benefícios provenientes do livre mercado e que rejeite uma “Kim-jong-unização” do cargo mais importante do mundo livre. 

Por isto, se ao mesmo tempo que Trump abre as portas a uma mudança em 2028 o Partido Democrata abre as portas a uma recandidatura de Kamala Harris, a porta do poder fechar-se-á, seja com estrondo ou «cautelosamente», na cara dos democratas que, assim, estariam a cometer um suicídio político como há muito não se via na política norte-americana.