A tendência não é de agora mas têm-se acentuado em força nas últimas campanhas eleitorais. Mais do que se apresentarem como líderes extraordinários, competentes e capazes de conduzir o país rumo a um futuro melhor, os principais candidatos a ocupar o cargo de primeiro-ministro têm feito um esforço significativo por se apresentarem como pessoas normais que dizem ter dias normais, durante os quais fazem coisas normais, têm conversas normais, hobbies normais e amores normais.
Pessoas como todos nós, portanto. O Luís é uma pessoa que gosta de trabalhar e jogar voleibol e já tem cortinados no quarto. O Pedro é bem disposto, sabe andar de mota e diz asneiras. O André vive numa casa modesta (mais ou menos) e também dá umas voltinhas em duas rodas. A Mariana gosta de correr e de cerveja. O Rui também bebe umas imperiais. O outro Rui sofre de uma condição em que não reconhece os rostos das pessoas. O Paulo tem uma cadela e uma tartaruga. A Inês fez tratamentos de fertilidade – e por aí fora.
A intenção é a de chegar ao maior número de eleitores possível, preferencialmente sem mediação jornalística. Mas uma coisa é conhecer o lado humano de um político, as suas crenças e convicções ou perceber se age em privado da forma que apregoa em público. Outra é reduzir um líder à diversão e entretenimento. Porque ser primeiro-ministro, líder da oposição ou líder partidário não tem nada de normal – pelo contrário.
De um líder político, agora e ao longo da história, espera-se que possua um conjunto de características que o distingam do cidadão comum. Espera-se que tenha e apresente uma visão de futuro para o país, que dê esperança à população de que os sacrifícios que possam ter de ser feitos no presente se irão refletir numa vida melhor no futuro – e que seja também capaz de a comunicar. Espera-se que tenha uma integridade à prova de bala, que aja com honestidade e transparência e que estabeleça os padrões éticos sobre os quais todos aqueles que dele dependem tenham de se reger. Espera-se que conheça o mundo que nos rodeia e seja capaz de apresentar um pensamento estratégico que o ajude – e a nós – a ultrapassar situações complexas. Espera-se que tenha capacidade de tomar decisões sobre pressão, resiliência para resistir a contratempos, coragem para colocar os interesses do país à frente dos pessoais. Espera-se que tenha a inteligência emocional para gerir equipas e para se adaptar a novas circunstâncias.
No fundo, espera-se – ou devia esperar-se – que os líderes sejam pessoas extraordinárias, as melhores entre os seus pares, as mais preparadas, inteligentes, focadas, com capacidade de trabalho e de sacrifício. Não se espera que sejam normais. Porque se forem só isso ou não passarem disso, então não servem para o cargo.
A não ser que haja alguma surpresa de última hora, no final da noite de domingo estaremos mais ou menos na mesma situação em que nos encontrávamos quando a moção de confiança foi chumbada e o governo caiu. De acordo com a sondagem que o Nascer do SOL e a Euronews publicam esta semana, a AD continuará a ter um Governo minoritário – ainda que a possibilidade de uma maioria com a Iniciativa Liberal não estar fora de hipótese -, o PS a ser o segundo partido, o Chega a ser a terceira força parlamentar e a extrema-esquerda a definhar.
O país continuará com uma maioria sociológica de direita mas com uma instabilidade governativa permanente uma vez que – partindo do princípio que o ‘não é não’ de Luís Montenegro ao Chega é para manter – o entendimento entre os dois maiores partidos em questões fundamentais parece ainda mais improvável do que há um ano: depois de uma campanha em que o chefe de Governo foi classificado de vigarista sem ética, dificilmente será possível a Pedro Nuno Santos negociar o que quer que seja com esse mesmo primeiro-ministro.
Isso significa também que o caso Spinumviva continuará a desgastar Luís Montenegro e o Executivo, em especial se a Comissão Parlamentar de Inquérito prometida por Pedro Nuno Santos for por diante. Após duas derrotas seguidas, não restará ao líder socialista outra opção que não o ataque continuado ao governo, nem que seja como forma de resistência aos anticorpos que tem no próprio Partido Socialista e às facas que começarão a afiar-se após a noite eleitoral.
Cairemos, para recuperar a expressão de António Guterres, no pântano político. Com a diferença de que, desta vez, não se antevê qualquer demissão, seja de Luís Montenegro ou de Pedro Nuno Santos, a única forma de separar as águas, permitir acordos ao centro em matérias chave e dar um novo rumo ao país num contexto de grande instabilidade internacional. Resta-nos continuar como se nada fosse até às presidenciais de janeiro de 2026, com autárquicas pelo meio, para ver o que o sucessor de Marcelo Rebelo de Sousa terá a dizer em relação à estabilidade do regime. E perceber de vez se nas lideranças temos homens e mulheres normais ou extraordinários.