Conheço o psiquiatra José Gameiro há uns bons anos – já o entrevistei para o SOL e para o i várias vezes – e nunca me esqueci de algumas máximas que me disse: «Vítor, não se pode dizer a uma pessoa que está nervosa, tem calma. Isso só a vai agitar ainda mais». Este simples conselho ajudou-me bastante em situações complexas, pois o ‘tem calma’, ou ‘não digas isso’, entre tantas outras expressões corriqueiras, por vezes, pode ‘entornar’ o caldo.
Vem esta conversa a propósito do que queria escrever, mas que, devido à atualidade política, pode ficar para outras núpcias. No fundo, acho que boa parte do mundo está louca, pois ninguém no seu perfeito juízo anda com um boneco ao colo como se o mesmo fosse um bebé real. A ‘loucura’ é tanta que a Câmara dos Deputados do Brasil – esse país que outrora foi um hino à liberdade de pensamento, onde se podiam dizer todas as palavras e em que o belo era belo e o feio era feio, o gay era veado, a bicha não era fila, a mulher era gostosa, e todos conviviam tranquilamente, com todas as diferenças políticas, sexuais, económicas, e por aí fora – foi obrigada a apresentar três projetos de lei para penalizar o atendimento médico dos bebés Reborn, e estamos a falar no serviço privado e… público. A outra ideia forte é multar quem se serve desses bonecos para ter prioridade no atendimento público, hospitais, por exemplo, ou nos transportes públicos. O fenómeno já existe em Portugal e há duas semanas o Nascer do SOL dava conta do fenómeno.
Também queria escrever sobre o fim do leite gordo que passou a leite inteiro, não vá ofender os gordos como eu – a mim só me ofendem se me chamarem magro, não vá eu ficar traumatizado por o não ser… Queria também escrever sobre o facto de haver pessoas que acham normal gabirus invadirem casas alheias e não poderem ser expulsos. Como disse, a minha ideia era escrever sobre esses assuntos, mas, inevitavelmente, terei de escrever sobre o milhão de fascistas que passou para quase um milhão trezentos e cinquenta mil, desde domingo passado. Mas terão nascido espontaneamente esses fascistas todos? E sempre foram de extrema-direita? Pois bem, qualquer pessoa minimamente interessada pode consultar o site da Comissão Nacional de Eleições e perceberá, muito facilmente, que o Chega só tem ido buscar votos à esquerda e à extrema-esquerda. Tem sido assim desde 2022, altura em que o partido de André Ventura passou a ter 12 deputados. E onde foi, essencialmente, buscá-los? Precisamente ao PCP. Em 2022 os dados estavam lá todos, mas as pessoas recusavam-se a vê-los. Em 2024, o Chega continuou a canibalizar a esquerda e os políticos e os comentadores cartilheiros continuaram a negar o óbvio. Nas eleições de domingo, o Chega ganhou 50 concelhos ao PS e foi buscar muitos votos ao Bloco de Esquerda. É tão cristalino como a água e só não vê quem não quer – ou quem a cegueira ideológica impede de ver. É a esquerda e a extrema esquerda que alimentam o Chega, mas isso é terrível para os ‘opinadores’ que chamavam antifascistas a tudo o que era Bloco ou PS – com uma grande superioridade moral, diga-se – e que agora têm problemas em chamar-lhes fascistas, por terem mudado de partido. Diga-se que os dois únicos concelhos que o Chega ganhou à AD ficam nos Açores e dão pelo nome de Vila Franca do Campo (1.341 votos) e Lagoa (1.652 votos). Estou convencido de que as pessoas querem dizer basta._Basta de bonecos que são bebés, de se rescrever a história à vontade do freguês, de aceitar todos em vez de quem se pode aceitar… Os ‘opinadores’ que vão para a rua e que descubram o que preocupa verdadeiramente as pessoas e talvez percebam porque houve tanta gente a ‘fugir’ do BE e a ir para o Chega.
Telegramas
Um ex que quer voltar aonde não foi feliz
Fernando Alexandre desempenhou o cargo de ministro da Educação até ao final da legislatura, mas agora anda a fazer os possíveis e impossíveis para voltar ao Ministério da Administração Interna, de onde saiu em 2015, a mal com meio mundo, quando foi secretário de Estado. As polícias já temem o regresso do homem que não deixou saudades e que se terá demitido, oficialmente, embora sejam muitos que dizem que foi a então ministra Anabela Rodrigues que lhe deu guia de marcha.
Mendes copia Mário Soares
O candidato presidencial surpreendeu meio mundo com a agressividade demonstrada contra o almirante Gouveia e Melo – havendo mesmo quem se tenha lembrado de Ventura –, mas os mais atentos lembram-se que Mário Soares partiu com uma grande desvantagem contra Freitas do Amaral e só subiu nas intenções de votos porque foi desgastando o candidato da AD. Marques Mendes acredita que esse é o único caminho para obrigar o almirante a expor-se e a estatelar-se…