É inevitável não falar das eleições.
1. Ao contrário do que se pensava, as eleições valeram a pena. Por dois motivos. Por um lado, pôs fim do empate técnico entre a AD e o PS o qual, conjugado com a maioria da esquerda radicalizada face ao centro democrático-liberal, fragilizava o governo. A maioria da AD foi reforçada, a esquerda tornou-se minoritária e, por isso, a solução de governo resultou clarificada e fortalecida. Um PS, virado para dentro e lutando para infletir o desvio esquerdista, garantirá, pela simples abstenção, a aprovação do programa de governo e, também, durante alguns anos, os orçamentos. Depois cabe ao governo negociar caso a caso, com o PS e também com o Chega, a aprovação das diferentes iniciativas legislativas. Neste processo, o preço do Chega será sempre mais alto, pois tem mais a ganhar provando-se irredutível nas suas bandeiras. Mas o governo poderá ter a confiança de que apenas uma coligação negativa e contranatura de todas as oposições as derrubará.
2. O mito de que o povo era de esquerda estilhaçou-se. O papão de que vem aí a Direita que quer destruir do Estado Social, privatizar a Segurança Social, entregar o SNS aos Mello e suspender o direito à greve já não ganha eleições. E também não ganha eleições o discurso de que está tudo bem com a imigração e que a insegurança é uma mera perceção de alguns velhotes. As causas fraturantes das minorias sexuais e as novas lutas de libertação das múltiplas opressões sistémicas podem ter eco na ‘bolha mediática’, mas nada dizem à maioria do povo.
3. E o Chega? Ao olhar para o mapa do país e ver, a sul do Tejo, um mar azul onde antes dominava o vermelho e o rosa, percebemos de onde vem essa força: como no passado, vem da falta de voz; vem da revolta de quem, por muito que grite e por muitas décadas que grite, não é ouvido. E esses gritos ganharam momento, empurrados pelos vendavais que sopram um pouco por todo o mundo.
4. A revolta antissistema que alimenta o voto no Chega tem causa primeira na incapacidade do centro político resolver os problemas que são realmente sentidos por grande parte da população. Por, 50 anos depois de abril e depois de 50 anos de alternância entre PS e PSD, a crise da habitação ter proporções inéditas, as urgências hospitalares estarem fechadas, a CP ter greves dia-sim-dia-sim, por ser difícil encontrar um Uber que fale português, por o pequeno comércio em muitas cidades, vilas e aldeias estar nas mãos de pessoas de continentes distantes.
5. Mas essa revolta vira-se, também, contra um dado tipo de político e um estilo da fazer política: o habilidoso, de falinhas mansas e politicamente correto. Sem paixão nem convicções. Cuja principal competência e preocupação é conquistar e manter o poleiro. Se alguma coisa que a eleição de Trump nos mostrou é que muita gente aprecia ‘fazedores’, mesmo que à custa de umas ‘cotoveladas’ nas subtilezas administrativas e legais.
6. Já não é possível dizer que o CHEGA é um novo PRD, um fogacho que logo se esgota. Mas partilha com o PRD uma fragilidade: é um projeto de um só homem.
Professor universitário