A entrada de Elon Musk na cena política, quando declarou apoio à candidatura de Donald Trump, causou alguma celeuma. O bilionário americano passou a ser uma figura inevitável e a sua entrada no aparelho governativo americano foi, para os críticos, a gota de água.
O senador Bernie Sanders, que há décadas alerta de forma ativa, mas pouco precisa, a transformação da república numa oligarquia, tentou explicar aos eleitores americanos que desta vez é que era e que «as gerações futuras olharão para este momento (…) e lembrar-se-ão se tivemos a coragem de defender a nossa democracia contra as ameaças crescentes da oligarquia e do autoritarismo». Sanders acusou Musk de estar a «tentar desmantelar as principais agências do governo federal que se destinam a proteger as necessidades das famílias trabalhadoras e dos mais desfavorecidos», referindo-se, claro, à criação do Departamento de Eficiência Governamental (DOGE) que ficou sob a tutela do empresário.
Mas, analisando a despesa pública americana na última década – que passou de 3,31 mil milhões de dólares no segundo trimestre de 2015 para 4 mil milhões no último trimestre de 2024, segundo dados da Trading Economics – e a dívida pública – que, no mesmo período aumentou para cerca do dobro (de 19 mil milhões em dezembro de 2015 para 36, 2 mil milhões em dezembro de 2024) -, parece evidente que algo deveria ser feito para contrariar esta tendência insustentável. É por isto que o DOGE, criado à imagem da motosserra de Milei para combater o despesismo e voltar a uma posição de equilíbrio fiscal, foi encarado, por alguns, com esperança.
Antes das eleições, Musk havia dito que o DOGE seria responsável por cortes no valer de «pelo menos 2 biliões». No início de abril, a conversa foi outra. Como reportado pela MSNBC, o fundador da Tesla, numa reunião do executivo, antecipou «150 mil milhões de dólares em cortes nas despesas». Ou seja, apenas 7,5% do que foi inicialmente estimado. Mas, em fevereiro, o New York Times publicou uma peça onde refere que, removendo erros no processo de apuramento dos cortes na despesa, o DOGE conseguiu apenas poupar 2 mil milhões.
O afastamento de Elon Musk já estava previsto, mas as tensões com a administração são inegáveis. O «grande e belo», como lhe chamou Trump, pacote legislativo apresentado a votação no Congresso que prevê um aumento da despesa pública na ordem dos 5 biliões de dólares, parece ter sido a estocada final. Ontem, no X, Musk anunciou que se vai definitivamente afastar e garantiu que «a missão do DOGE só se fortalecerá com o tempo, à medida que se tornar um modo de vida em todo o governo», depois de ter dito, em entrevista à CBN, que ficou «desapontado ao ver a enorme lei das despesas» que «aumenta o défice orçamental» e «prejudica o trabalho que a equipa do DOGE está a fazer».
Assim, seria, mais do que injusto, completamente errado culpar apenas Elon Musk pelo fracasso. Na quarta-feira, o empresário disse ao Washington Post que «a situação da burocracia federal é muito pior do que imaginava», acrescentando que a agência se tornou um «bode expiatório». De facto, a despesa pública nos primeiros 70 dias de Trump (2,4 biliões de dólares) foi superior à dos primeiros 70 dias de Joe Biden (2,2 biliões).
Dito isto, a tarefa de drenar o pântano burocrático americano é muito mais complexa do que se poderia imaginar e Trump parece não estar muito empenhado nisso. Pelo contrário. Assim, o departamento criado para Elon Musk acaba por ser uma DOGEilusão.