Uma dívida grande e feia

A dívida americana tem seguido uma trajetória insustentável. A nova “Big, Beautiful Bill” de Trump é só mais uma agravante.

Como aqui escrevi na edição anterior, Elon Musk deixou o DOGE e os resultados não foram nada menos que desapontantes. Mas a culpa não pode morrer solteira. O departamento que ficou à responsabilidade de Musk cometeu, é certo, vários erros. Não atacou setores fundamentais que consomem uma larga porção do orçamento – como a Medicare, a Medicaid ou o Departamento de Defesa, por exemplo – e, também por isso, fracassou.

Agora, independentemente de a agência ter demonstrado algumas ineficiências que a impediram de chegar sequer perto dos objetivos a que inicialmente se propôs, Donald Trump foi, certamente, um entrave à redução da despesa e da dívida pública. A última «Big, Beautiful Bill» (Projeto de lei grande e belo, em português) que foi aprovada pelo Congresso, é um exemplo paradigmático do despesismo que Trump outrora criticou, e bem, em Biden.

De acordo com o Congressional Budget Office, este pacote legislativo fará aumentar a dívida em «cerca de 3 biliões, ou sensivelmente 5 biliões caso se torne permanente», vai aumentar o «défice para 7% do Produto Interno Bruto (PIB) até 2026», aumentará os juros da dívida entre 2024 e 2034 «para 1,8 biliões (4,2% do PIB)», aumentará a dívida de «100% do PIB hoje para 124% até 2034, 129%  do PIB caso se torne permanente, e 133% do PIB caso as taxas de juro se mantiverem altas». De forma curta, trata-se de um absurdo. Para além disso, deixa clara a razão pela qual Elon Musk se afastou, criticando duramente os republicanos que votaram a favor do projeto de lei com a plena consciência de que é altamente prejudicial para a saúde financeira do país. O empresário chegou a apelidar o pacote legislativo de «Debt Slavery Bill».

Mas o fenómeno não é exclusivo a Trump, que está apenas a seguir uma tendência. Existe um gráfico, que mostra a evolução da dívida americana desde o final do século XVIII, particularmente alarmante. Foram precisos 221 anos para que a dívida atingisse os 12 biliões de dólares, sendo que o aumento significativo rumo a esse valor dá-se principalmente a partir da década de 1980. Para se entender a dimensão do endividamento tresloucado dos últimos anos, o valor acrescentado à dívida nos últimos 6 anos foi de 13,5 biliões. Em 2019 estava nos 22,7 biliões de dólares, em 2024 ficou nos 35,5 biliões e, em abril deste ano, fixou-se nos 36,2 biliões. É certo que houve uma pandemia entretanto, mas não justifica este aumento substancial. Agora, só a «Big, Beautiful Bill» será responsável por um aumento de 3 a 5 biliões.

Mas há mais. Os juros da dívida já ultrapassaram a marca de 1 bilião de dólares, de acordo com a FRED, ou seja, cerca de 20 % das receitas totais do Estado projetadas para o ano fiscal de 2025, ultrapassando já os gastos em defesa.

Perante este cenário, vejamos o que a história tem para nos ensinar. Segundo a Lei de Ferguson, teorizada pelo historiador escocês Niall Ferguson, «qualquer grande potência que gaste mais com o serviço da dívida do que com a defesa corre o risco de deixar de ser uma grande potência». Os EUA já começaram a violá-la e, se a ordem internacional atravessa um período complexo em que a hegemonia americana é ameaçada em várias frentes, esta situação fiscal só agudiza um problema que deveria alarmar qualquer policymaker americano, republicano ou democrata.

Assim, não há dúvidas de que o projeto de lei é grande e ambicioso, com reduções de impostos significativas. O problema é que aumenta uma dívida que se torna cada vez mais feia.