Desmoralizar a imigração (1.ª parte)

O maior impacto desta imigração repentina e descontrolada não foi, como o Chega gosta de apregoar, o aumento da criminalidade

Costumo dizer, meio a brincar meio a sério, que o meu coração é libertário e a minha cabeça é liberal. O meu coração libertário imagina um mundo em que todos são livres de viajar para onde quiserem, sem restrições impostas por esse artifício chamado de Estado-Nação. Nessa mesma altura, a razão intercede e recorda-me do lirismo dessa ideia. Por variadíssimos motivos, essa livre circulação de pessoas não é possível (e os Estados-Nação são um garante da lei e da ordem).

Duvida desta premissa? Então imagine que entravam, agora, cinco milhões de novos imigrantes em Portugal. Do ponto de vista económico, haveria educação, saúde ou habitação que resistisse? Do ponto de vista social, conseguiríamos integrar essas pessoas, sobretudo se não tivessem meios de subsistência? E, do ponto de vista cultural, conseguiríamos assegurar um denominador comum que permita uma convivência sã entre todos?

Dificilmente. Até o mais empedernido militante da extrema-esquerda terá de reconhecer que isso suscitaria a desordem social e o caos económico — e é precisamente por isso que defendem tal ideia, porque o objetivo é medrar o caos e desta forma destruir a ‘ordem democrática burguesa e capitalista’.

Isto conduz-nos ao título deste artigo. A imigração não é, em abstrato, boa ou má. Depende. A moralização da questão da imigração polariza o debate e inviabiliza respostas do mais meridiano bom senso, como durante anos aconteceu em Portugal, em que sequer sugerir discutir o tema era merecedor de acusações de cedência ao fascismo e à extrema-direita.

Como consequência deste blackout político, o PS y sus muchachos BE e PCP conseguiram implementar, em 2017, e sem grande oposição, um sonho libertário: um país de portas abertas, sem critérios de entrada. O regime de manifestação de interesse, como assim ficou conhecido, é o produto de um coração libertário destituído de uma cabeça que lhe tempere o ímpeto e lhe imponha a razão (e tudo o mais).

Em resultado disto, entraram em Portugal, em apenas 6 anos, cerca de um milhão de imigrantes, uma boa percentagem dos quais sem qualquer tipo de controlo. Entravam como turistas ou até de forma ilegal. Para poder iniciar o processo de regularização bastava ter um contrato de trabalho ou uma promessa de contrato de trabalho (um simples papel, sem valor vinculativo, que qualquer empresa pode emitir, incluindo uma das muitas lojas de conveniência que proliferaram por aí). Quem mediava o processo administrativo era o SEF. Como o SEF eventualmente se tornou um incómodo, o anterior governo extinguiu a agência que controlava a entrada no país – e ainda falam da motosserra de Javier Milei.

O maior impacto desta imigração repentina e descontrolada não foi, como o Chega gosta de apregoar, o aumento da criminalidade. Tendo em conta o aumento expressivo da imigração (de cerca de 4% para 15% em menos de 10 anos), a variação da criminalidade não foi expressiva, embora sejam necessários mais dados no RASI para que se possa aferir com mais detalhe.

Os efeitos mais preocupantes são outros, mais subtis mas não menos disruptivos: a desregulação do mercado de trabalho e o choque cultural que alimenta um sentimento de perda da identidade nacional. É precisamente sobre estas consequências que falarei no próximo artig