A respeito do tema do momento, a imigração (a dos pobres, só essa é tema), poderia sugerir a leitura de Umberto Eco em Construir o Inimigo. Mas quem sou eu para sugestões? E, mesmo que me atrevesse, onde está a possibilidade de dar atenção a mais do que três frases? Não falemos, portanto, de imigração, mas apenas de um detalhe: a perda da nacionalidade como possível sanção acessória em caso de condenação criminal. Que fique claro que eu – embora discorde de quase todas as preocupações e, sobretudo, das soluções que agora estão na moda em matéria de imigração – acho bem que o Governo tenha tomado o assunto em mãos. Se o tomou mal ou bem é secundário para a minha opinião, porque acho que quem governa ou gere deve pôr a mão nos problemas (mesmo que esses problemas sejam, afinal, questões sobre falsos problemas), sob pena de os ‘problemas’ tomarem conta de quem governa ou gere e acabarem por os impedir de fazer o seu trabalho. Portanto, em boa hora trouxe o Governo, tentando esvaziar agendas, a imigração para cima da mesa – tema que cresce na direta proporção do ganho de corpo pelo Chega. Fez bem, e as medidas avançadas, em geral, concorde-se ou discorde-se, não são chocantes. São opções, são opiniões, e têm a legitimidade democrática que o Governo tem, o tempo dirá se são melhores ou piores. Com uma exceção, na minha opinião, que é a questão da perda da nacionalidade como sanção criminal acessória.
Back to basics, o que é uma sanção acessória? É uma consequência de uma condenação criminal que acresce à pena principal (prisão e/ou multa), e que nunca pode ser consequência automática da condenação e que tem pressupostos e razões especiais. E quais são? Simples: as circunstâncias do crime pelo qual há condenação e as circunstâncias do caso concreto reclamam ou aconselham, essencialmente por razões de prevenção, que se acrescente à pena principal uma sanção acessória. Por exemplo, em crimes onde avulta uma certa conduta rodoviária, inibição de conduzir, em crimes onde pode estar em causa uma proximidade com possíveis vítimas, uma proibição de exercer certas tarefas ou profissões, em crimes onde o exercício de cargos políticos é o âmago da conduta, a proibição desse exercício. Ou seja, há uma especial ligação entre o tipo de crime e o caso concreto e a sanção acessória, acrescendo que, normalmente, esta é limitada no tempo, aliás em homenagem, entre o mais, ao princípio da proporcionalidade. Ora, como é que se compatibiliza isto com a agora preconizada perda da nacionalidade? A meu ver, não se compatibiliza, porque a nacionalidade não tem nada que ver com razões de prevenção em qualquer tipo de crime, a não ser que se diga, por absurdo, que a prática de um crime implica negar a pertença a uma comunidade política. Mas, nesse caso, todos os crimes podem implicar a perda da nacionalidade como sanção, primeiro, e, segundo, não há nenhuma razão para distinguir nacionalidade originária e nacionalidade adquirida (coisa, aliás, que em geral a nossa ordem jurídica não distingue). Ao que acresce que se a ideia é retirar a nacionalidade porque o crime significa a quebra do laço nacional, então talvez fosse melhor, andando uns séculos para trás, colocar a questão como pena principal em vez de sanção acessória. E o que se seguiria? O degredo? O banimento? Salgar as terras? E, mais um passinho, a morte, não? Porque se quem pratica crimes não merece a nacionalidade, talvez também não mereça a vida. Caricaturo? Talvez, mas a caricatura é uma boa forma de pôr em evidência coisas sem sentido, incluindo coisas onde não posso deixar de ver alguma precipitação e, sobretudo, uma boa pitada de demagogia. E, já agora, tenham presente um efeito possível da perda de nacionalidade, gerando aquilo que o mundo sempre se esforçou por evitar: os apátridas. Ou seja, muitos Tom Hanks, no terminal do aeroporto (ou em lugar bem pior), sem pátria. Nem sempre são os filmes que imitam a vida, pode acontecer que a vida imite os filmes, sobretudo quando vivemos tempos onde impera a mise en scène.
Advogado