Nem bons nem maus. São pessoas

A imigração não é, como muitos a parecem querer reduzir, um confronto entre bons e maus. É um tema complexo que mexe com a vida de quem está e de quem chega. E que deve ser tratada sem complexos e com honestidade. Não temos visto muito disso.

O debate sobre a imigração parece ter-se tornado numa espécie de jogo de soma zero. De um lado estão aqueles que querem fechar portas, correr com os imigrantes que entraram em Portugal, mesmo que não saibam exatamente quantos são e para quem o estrangeiro – o outro – é o culpado de todos os males, pela falta de casas ou pelo aumento da crimes. Do outro estão os que olham para os imigrantes como um número, uma equação matemática. Dizem que o país precisa deles, mesmo sem saber em que áreas e em que quantidade, e alegam, como se não houvesse mais nada em jogo, que os imigrantes são contribuintes líquidos para a Segurança Social. Ou seja, estão a pagar as nossas pensões futuras.

Ambos os lados são duas faces da mesma moeda. Reduzem a imigração à dicotomia entre imigrantes maus e imigrantes bons. Propõem soluções simples, para problemas complexos, uma característica comum a todos os populistas, sejam de direita ou esquerda. Ignoram o outro lado, ou o simples facto de a imigração ser uma questão com ramificações muitas vezes imprevisíveis, que se não for controlada provoca transformações sociais e culturais que vão entrar em confronto com os valores e matrizes sociais de um país. Nenhum dos lados está correto. Nem os imigrantes são a origem de todos os males da sociedade, nem são a salvação dos nossos problemas.

Num debate honesto é necessário começar por reconhecer que há diferentes tipos de imigração. É diferente a assimilação de um estrangeiro que partilhe a cultura, os hábitos e o respeito pelas leis de um país do que a de um para quem esses mesmos hábitos, cultura e leis sejam completamente estranhos. Para os primeiros é muito mais fácil ser aceite pelas populações locais do que para os segundos, sobretudo em meios pequenos. Não se trata de uma questão racial – é cultural.

Em segundo é importante ter em atenção o volume dessa mesma imigração. Um país só deve acolher os imigrantes que seja capaz de integrar. Isso significa ter para eles trabalho disponível, um salário digno, uma casa em condições e possibilitar-lhes – caso tenham a intenção de construir uma vida no país, em respeito da sua cultura e leis – o reagrupamento familiar, uma vez que essa é uma das formas mais eficazes de integração social. Todos os estudos indicam que o facto de ter crianças na escola, que aprendam a língua, ajuda os pais a integrar-se na sociedade.

Em terceiro é preciso não escamotear que quando se permite a entrada de grandes comunidades num país elas não trazem só aspetos positivos. Transportam com elas todos os hábitos, problemas e, muitas vezes, conflitos que já tinham nos seus países de origem. Trazem divergências políticas, guerras culturais e rivalidades sociais, algumas delas entre grupos criminosos. É por isso que entre a comunidade brasileira existem bolsas residuais de elementos do Primeiro Comando da Capital, que na comunidade timorense há membros de grupos rivais em Díli, na comunidade bengali existem defensores de diferentes partidos em confrontos em Dhaka, ou que na comunidade chinesa existam elementos do Departamento de Trabalho da Frente Unida, um organismo do regime para propaganda e influência junto da diáspora, e por aí fora. Esses grupos não representam as respetivas comunidades, mas estão presentes. E a sua atividade tem influência na forma como elas são vistas aos olhos dos locais.

Por fim é preciso ter em atenção a dimensão do fenómeno. Grandes vagas de trabalhadores imigrantes acabam por ter influência positiva na Segurança Social, sim, uma vez que eles vêm, na maioria, fazer os trabalhos que os portugueses não querem, mas acabam também por expor as fragilidades do próprio Estado: sobrecarregam os sistemas de saúde e de justiça, o atendimento nos centros de emprego e na própria Segurança Social, o mercado da habitação e o laboral. Criam também sentimentos, mesmo que só percecionados, de insegurança nas populações que se sentem estranhas nos locais em que sempre viveram. Que deixam de reconhecer caras familiares entre os vizinhos.

Isso acontece porque esses locais se tornaram polos de atração para outros imigrantes. Tal como os portugueses se juntaram aos familiares e conhecidos noutros países europeus, tal como os turcos se reuniram à respetiva comunidade na Alemanha em cidades como Düsseldorf, Colónia ou Frankfurt, ou como o número de marroquinos foi crescendo em Bruxelas até transformar bairros inteiros como o de Molenbeek em autênticas cidades árabes com arquitetura europeia.

É essa mudança, sem a devida integração, que gera sentimentos perigosos em relação ao outro, ao estrangeiro. Que permite que forças populistas se alimentem do confronto, colocando a semente do ódio ao outro em proveito próprio. A imigração não é, como muitos a parecem querer reduzir, um confronto entre bons e maus. É um tema complexo que mexe com a vida de quem está e de quem chega. E que deve ser tratado sem complexos e com honestidade. Não temos visto muito disso.