Escuridão nas escadas interiores de uma casa-esconderijo em Atenas. Dois homens, um membro palestiniano da OLP, outro disfarçado de militante de esquerda alemão, dialogam, entre cigarros, na penumbra. Sem saber que está, na verdade, a falar com um agente da Mossad (Avner), o palestiniano (Ali) confessa a essência da sua luta: a destruição de Israel.
«Um dia, os Estados árabes levantar-se-ão contra Israel. Não gostam de nós, palestinianos, mas odeiam ainda mais os judeus. Podemos esperar para sempre. Temos muitos filhos, e os nossos filhos terão filhos. Se for preciso, faremos do mundo inteiro um lugar inseguro para os judeus.»
Avner, sob a máscara do simpatizante europeu de esquerda, devolve-lhe a conclusão lógica do seu silogismo implacável: «Não há paz no final deste caminho».
Este breve diálogo, extraído de uma cena do filme Munique, de Steven Spielberg (que recria a operação secreta de agentes da Mossad enviados para vingar o massacre de atletas israelitas nos Jogos Olímpicos de 1972), fixa e revela o cerne do dilema do conflito israelo-palestiniano: não uma guerra por terra, mas pela negação absoluta do outro; a «casa» identificada com a «destruição de Israel».
E é precisamente à luz da verdade inscrita neste diálogo sombrio que devemos olhar para o atual debate europeu sobre o reconhecimento de um Estado palestiniano. Numa altura em que alguns Estados europeus procuram impor uma posição comum a favor do reconhecimento do Estado da Palestina, sustentando, com comovente simplicidade, que a ausência desse Estado seria a causa fundamental de todos os impasses e males do conflito no Médio Oriente, é essencial que seja compreendida a verdadeira origem do mal. É necessário resistir aos mitos criados por aqueles cujo objetivo último não é a paz, mas, a pretexto dela, a negação pura e simples da existência do Estado de Israel. Tais mitos, urdidos sob a capa de ideais generosos, encontram terreno fértil na esquerda europeia e, não raras vezes, contam com a complacência de setores da direita dita tradicional.
Na verdade, na origem do conflito está a negação de um Estado. Mas não o da Palestina: o de Israel. A verdadeira falha fundadora não foi a omissão de um Estado palestiniano, mas a recusa sistemática, da parte árabe, em admitir que pudesse existir um Estado judeu soberano, ainda que confinado a uma ínfima porção do território que o mundo árabe considera parte sagrada do Dar al-Islam (um grão geográfico que representa menos de dois décimos de 1% do território árabe-muçulmano).
Essa recusa – anterior a 1967, anterior até a 1948 – não apenas deu origem ao conflito, como continua a perpetuá-lo. Desde 1937, com a proposta da Comissão Peel, os judeus aceitaram, uma após outra, as sucessivas ofertas de partilha territorial. As lideranças árabes rejeitaram uma após outra, em nome de um imperativo absoluto: impedir a existência política da autoridade judaica.
Em 1947, a ONU aprovou a Resolução 181, propondo a criação de dois Estados, um judeu e um árabe (com estatuto especial para Jerusalém). Os judeus aceitaram. Os árabes recusaram e responderam com a guerra. No dia seguinte à declaração de independência de Israel, sete exércitos árabes invadiram o recém-nascido Estado. O objetivo não era criar a Palestina: era apagar Israel do mapa.
Dois factos bastam para expor, com clareza clínica, a verdadeira natureza da recusa: o período entre 1949 e 1967 (entre o fim da Guerra da Independência e a Guerra dos Seis Dias) e a carta de fundação da OLP, de 1964 (anterior, portanto, à Guerra dos Seis Dias e à ocupação israelita da Cisjordânia e de Gaza). No final da Guerra de 1949, iniciada pelos países árabes (que a preferiam à criação de um Estado palestiniano), a Faixa de Gaza ficou sob ocupação egípcia e a Cisjordânia sob anexação da Jordânia. Durante dezoito anos (um segmento temporal que não pode ser qualificado como episódico), nenhum Estado palestiniano foi sequer equacionado naqueles territórios que hoje, segundo nos garantem os especialistas instantâneos, se encontram «ocupados» e, por isso, «ilegais à luz do direito internacional».
Nada de proclamações, nada de movimentos de autodeterminação, nada de apelos internacionais em nome da Palestina, nada de indignação académica sobre o «imperialismo neocolonialista» egípcio ou jordano. Aquilo que hoje é apresentado como um direito histórico inalienável de um povo que, segundo os mesmos especialistas, é anterior ao próprio tempo, não passava, então, de um silêncio cúmplice.
E mais revelador ainda: em 1964, antes da existência de «colonatos» e de «muros do apartheid», nasce a Organização para a Libertação da Palestina (OLP). A sua carta fundadora declara expressamente, sem ambiguidades, no seu artigo 24 original, não reivindicar nenhuma soberania sobre… a Cisjordânia e a Faixa de Gaza: «Esta Organização não exerce qualquer soberania regional sobre a Cisjordânia, que faz parte do Reino Hachemita da Jordânia, sobre a Faixa de Gaza, ou sobre a região de Himmah».
Ou seja, a organização criada para libertar a Palestina começou por reconhecer, no seu próprio ato fundador, a soberania do Egito e da Jordânia sobre os territórios destinados, supostamente, ao Estado palestiniano. Em 1964, a Palestina, afinal, já estava devidamente distribuída entre egípcios e jordanos. Libertar o quê, então? A resposta era, e continua a ser, cristalina: o que restava. Ou seja, Israel.
A cimeira da Liga Árabe em Cartum, no Sudão, em setembro de 1967, como resposta à derrota árabe na Guerra dos Seis Dias, cristalizou essa negação na doutrina dos «três nãos»: não à paz com Israel, não ao reconhecimento de Israel, não a negociações com Israel. Mesmo após nova derrota militar, a resposta foi a reafirmação dogmática da recusa existencial. Da rejeição de 1947 aos «três nãos» de Cartum vinte anos depois, o problema não eram as fronteiras, nem a ocupação: era a existência do outro.
Esse padrão histórico de rejeição, no entanto, não terminaria aí. Nos anos 1990, com os Acordos de Oslo, nova proposta concreta de partilha e reconhecimento mútuo. Também aí, as concessões israelitas não apenas esbarraram na recusa sistemática de lideranças palestinianas incapazes ou indispostas a aceitar um Estado judeu ao lado do seu. À recusa seguiu-se a violência: Oslo viria a degenerar na terrível vaga de atentados suicidas e linchamentos de civis israelitas que ficaria conhecida como Segunda Intifada.
Em 2008, no tempo de Ehud Olmert, nova proposta avançada: praticamente toda a Cisjordânia, Jerusalém Oriental e soluções criativas para a questão dos refugiados. E nova rejeição.
E mesmo mais recentemente, com os Acordos de Abraão a abrirem caminhos inéditos de normalização das relações entre Israel e vários Estados árabes, as lideranças palestinianas persistiram na recusa de qualquer arranjo que implicasse o reconhecimento de Israel. O massacre de 7 de outubro de 2023 foi mais do que um acidente trágico: foi a expressão brutal e sangrenta dessa recusa reiterada ao longo de décadas.
O próprio Bill Clinton, protagonista deste longo processo, confessou anos mais tarde, em 2016, numa ação de campanha a favor de Hillary Clinton para as presidenciais americanas: «I killed myself to give the Palestinians a state. I had a deal they turned down that would have given them all of Gaza.» Não foi apenas um desabafo pessoal, mas a confirmação, de quem esteve em pleno coração do processo de negociação, de que a recusa não se deveu à falta de oportunidades, mas à rejeição de princípio: o reconhecimento de Israel.
Mas não bastava recusar a existência geográfica, territorial, de Israel. Era preciso apagar as suas palavras e os seus conceitos fundadores, trocados por outros árabes, capazes de esvaziar a história judaica. Para isso, invadiram-se os próprios vocábulos, distorcendo-lhes o sentido, fardando-lhes a semântica, enrolando keffiyehs em torno das frases, convertendo os conceitos em fedayyin. A linguagem deixou de descrever a realidade para combatê-la. Das palavras tornadas projéteis, poucas foram tão eficazmente armadas como o termo Nakba.
Originalmente cunhado em 1948 pelo historiador sírio Constantin Zureiq no seu livro O Significado da Catástrofe (Ma’na an-Nakba), Nakba significava uma catástrofe, enquanto acusação severa ao falhanço estratégico, político e moral do mundo árabe, incapaz de derrotar os sionistas e enfrentar a realidade moderna: «A derrota dos árabes na Palestina não é um simples revés – uma naksa. É uma catástrofe – nakba – em todos os sentidos da palavra». Contrastando a lucidez estratégica do sionismo, voltado para o futuro e para a modernidade, com o imobilismo árabe, drogado em sonhos de um passado glorioso, Zureiq conclui: «Devemos admitir os nossos erros… e reconhecer a extensão da nossa responsabilidade pela catástrofe que nos coube.»
Nada, portanto, na conceção original de Zureiq se prestava ao uso contemporâneo do termo Nakba como instrumento de absolvição coletiva, destinado a eternizar o papel de vítima e a deslocar a culpa exclusivamente para o outro. Onde hoje se vê um grito de acusação moral contra Israel, Zureiq via um apelo à reforma interna, à modernização e à responsabilidade. Não por acaso, o termo permaneceu praticamente ausente do discurso internacional até aos anos 1980, ganhando visibilidade crescente apenas a partir dos anos 2000.
Este atraso cronológico, combinado com a redefinição do seu sentido original, sugere que o conceito de Nakba não emergiu organicamente do trauma de 1948, como seria de esperar de um evento fundador. Pelo contrário, foi sendo gradualmente recuperado, reinterpretado e inscrito num novo regime ideológico de sentido, moldado pelo léxico do pós-colonialismo, pela internacionalização da causa palestiniana e pela gramática, cada vez mais ritualizada, dos direitos humanos nos fóruns internacionais. Nakba deixou de designar a lucidez do derrotado e passou a designar a estética do mártir. Em suma, a Nakba foi “fanonizada”. O que em Zureiq era apelo à reforma, é hoje, depois de passar pela alquimia ideológica de Frantz Fanon, uma poderosa ferramenta de mobilização emocional e política, que dissolve a responsabilidade e sublima o ressentimento.
Não é por mero acidente que o termo escolhido para cristalizar essa narrativa é precisamente «catástrofe». A palavra Nakba, reiterada como epíteto identitário e emblema moral da causa palestiniana, não foi apenas resgatada pelo seu valor histórico; foi adotada, sobretudo, pela sua carga simbólica singular. Ao significar «catástrofe», a Nakba estabelece uma simetria calculada e sugestiva com a Shoah (“catástrofe”, precisamente), uma equivalência semântica que prepara o terreno para uma equivalência moral. «Catástrofe» por «catástrofe»: a Palestina, novo Auschwitz; os palestinianos, novos judeus; os judeus, novos nazis. A Nakba é a nova Shoah.
Essa simetria não é inocente: visa, por um lado, esvaziar a singularidade moral do Holocausto, expropriando o povo judeu da memória histórica de um crime sem precedentes, sem equivalentes e sem prescrição, virando o crime contra as próprias vítimas; e por outro, instaurar uma narrativa de sofrimento absoluto que blinda a causa palestiniana contra qualquer escrutínio ético ou exigência de responsabilidade. Sendo vítimas por definição, tudo lhes é permitido: podem violar mulheres, raptar idosos, queimar famílias, estrangular bebés: a culpa será sempre dos judeus, outrora vítimas da Shoah e agora perpetradores da Nakba. Os palestinianos não reclamam soberania nos termos clássicos do direito internacional; reivindicam o privilégio da inocência absoluta, substituindo os critérios objetivos da soberania por um estatuto metafísico de vítima perpétua.
Esta guerra – das palavras e dos conceitos – é mais eficaz, mas denuncia a verdadeira intenção por trás da questão: nunca se tratou de dar um Estado aos palestinianos; trata-se de impedir que os judeus tenham um Estado. Em rigor, trata-se de recusar a existência política e soberana dos próprios judeus na região. E isso não só persistirá independentemente do que façamos, como se acentuará a cada cedência, a cada sinal de fraqueza.
Mas quando se fala em reconhecer um Estado é também inevitável recordar os critérios consagrados na Convenção de Montevideu, de 1933: população permanente, território definido, governo efetivo e capacidade de relações externas. Que Estado é, afinal, a Palestina? Que entidade é esta cuja população vive dividida entre enclaves desconexos, sob diferentes regimes de controlo, que não possui sistema político funcional, nem uma autoridade unificada capaz de exercer soberania plena sobre um território cujas fronteiras permanecem indeterminadas?
Gaza é governada por uma organização terrorista, em guerra declarada com a Autoridade Palestiniana, sediada na Cisjordânia, a qual, por sua vez, carece de legitimidade democrática efetiva desde 2005, sem eleições há 20 anos, presidida por um antigo agente do KGB («Agente Krotov», segundo o Arquivo Mitrokhin), e cuja tese de doutoramento, na Universidade Patrice Lumumba, em Moscovo, se dedica a investigar supostas ligações secretas entre o sionismo e o nazismo.
Que Estado é este, afinal, que não sabe onde começa, nem quem o representa, nem a quem responde – fragmentado entre os que acusam os judeus de perpetrarem um novo Holocausto e os que negam que tenha havido algum? Reconhecer a Palestina como Estado, nestas condições, é abdicar do próprio conceito de Estado.
No entanto, mais grave do que uma aberração jurídica, reconhecer o Estado da Palestina na atual conjuntura seria uma obscenidade moral. Porque o faz na sequência do pogrom de 7 de Outubro de 2023, no qual civis judeus (bebés, mulheres, idosos) foram violados, queimados vivos, executados. E tantos permanecem ainda reféns. Reconhecer um Estado nestas circunstâncias seria converter a barbárie em critério de soberania, como se a chacina de judeus fosse hoje a nova forma de satisfação dos critérios de Montevideu. Estaríamos não apenas a recompensar o terrorismo e a encorajar a sua replicação, mas a elevá-lo ainda à condição de fundação política. O reconhecimento, nestes termos, deixaria de ser um ato jurídico para se tornar num ato de capitulação ética.
A insistência europeia numa «solução de dois Estados» para o conflito israelo-palestiniano nos atuais termos configura não um compromisso entre dois povos dispostos a coexistir, mas uma capitulação diplomática perante a longa pedagogia da rejeição, do terrorismo, do antissemitismo. Em vez de exigir aos palestinianos o que qualquer povo civilizado exigiria a si mesmo – reconhecimento do outro, renúncia à violência, liderança credível e pacífica –, os líderes europeus escolhem a ilusão comovente em vez da verdade incómoda. Julgam estar a comprar a paz, quando estão apenas a fazer, uma vez mais, um pacto faustiano que será pago com o sangue dos outros. Inebriados com o álcool da sua própria virtude, talvez não tenham prestado atenção aos céus de Teerão ainda há pouco tempo: os judeus, vítimas reais de um genocídio real, deixaram de aceitar serem sacrificados em nome da concórdia universal.
O conflito só pode começar a ser resolvido depois de identificada corretamente a sua origem. Antes de se reconhecer a Palestina, será preciso que a Palestina reconheça Israel. Mas essa exigência – simples, justa e elementar – continua a ser o único passo que os seus representantes se recusam a dar (e cuja recusa muitos ocidentais, a partir do conforto da sua irrelevância histórica, continuam a alimentar com zelo quase fanático). Enquanto isso persistir, qualquer outro reconhecimento será moralmente viciado e politicamente fútil. Condenado, portanto, a novo fracasso.
A paz não virá da obsessão em criar um segundo Estado onde o primeiro ainda é negado. Virá, como já veio, do único modelo sóbrio que honra os factos e não as fantasias: o reconhecimento mútuo, como nos Acordos de Abraão. Reconhecer a Palestina implica, antes de tudo, reconhecer Israel.
O paradoxo é precisamente esse: reconhecer um Estado palestiniano implicará, de forma inescapável, reconhecer um Estado judeu, pois a paz entre ambos só poderá nascer desse duplo reconhecimento. É precisamente por isso que, até hoje, as lideranças árabes e palestinianas jamais quiseram, no seu íntimo, um verdadeiro Estado palestiniano: porque na essência desse reconhecimento habita, necessariamente, o gesto que sempre recusaram: o de admitir, finalmente, a legitimidade de Israel. No coração do reconhecimento da Palestina habita, inevitavelmente, o reconhecimento de Israel. O segredo daquele reside, paradoxalmente, neste. Reconhecer a Palestina não é outra coisa senão reconhecer Israel. E é precisamente esse passo que sempre faltou dar.
Como naquela noite grega, o terrorista e o espião não falavam apenas entre si, num teatro de sangue e engano: encenavam, sem o saber, o segredo trágico de dois povos presos no mesmo labirinto – e, paradoxalmente, o caminho para, finalmente, saírem dele. Avner e Ali, discordando, sabem o mesmo: que reconhecer a Palestina significa reconhecer Israel. Até que esse passo seja dado, abrindo a única porta que conduz à saída deste labirinto sangrento, todas as escadas escondidas conduzirão apenas a novas descidas e sombras, a novas mentiras e rancores. E, inevitavelmente, a novos mortos.
Eurodeputado e professor universitário