A ’guerra’ está instalada e há quem queira que a mesma chegue às ruas, apesar de estarmos a falar de polícias. O assunto é melindroso e em todas as áreas procura-se falar o menos possível dele, não vá ser replicado por quem dele teve conhecimento. Vejamos um dos casos mais emblemáticos: as mortes por suicídio na Ponte 25 de Abril raramente são noticiadas, mas todos sabem que elas existem. Os organismos que têm a tutela da ponte recusam-se a prestar esclarecimentos sobre os suicídios aí cometidos. Mas há muitos anos, cerca de 30, foram as notícias dos suicídios cometidos no Viaduto Duarte Pacheco que ‘obrigaram’ as entidades competentes a colocarem a rede que impossibilita alguém de se atirar para a morte.
Mas na PSP a história é um pouco diferente pois estão dois lados antagónicos em confrontação. De um lado, a direção nacional, que não quer divulgar os suicídios com receio que as notícias encorajem outros a fazê-lo; do outro, os movimentos inorgânicos – que ninguém, supostamente, conhece – que querem e exigem medidas imediatas para ‘travar’ o fenómeno.
Esta semana, o Movimento Zero, que se ‘movimenta’ muito na plataforma Telegram, além do WhatsApp, dá um grito de alerta e diz que «são 3 (três) em 12 dias. A Direção_Nacional não diz nada!!! Nem um email, nem uma nota, nem uma palavra! Mas medalhas? exposições? Discursos e brindes de copo no ar? Sempre presentes? O elefante no meio da sala» Estamos a vê-lo cair, um a um! Continuem a chamar ‘criminosos’ aos que denunciam o flagelo! Aos que gritam por socorro!!».
A história do ‘continuem a chamar criminosos’ a quem denuncia os suicídios vem do início do mês de julho. «Dois dias, dois suicídios. A consciência não vos pesa?», escreveram elementos do Movimento Zero nas redes sociais, o que levou o número dois da PSP, superintendente-chefe Pedro Gouveia, a responder na mesma rede, segundo o CM: «A vossa consciência não vos pesa? Não sabem que estas publicações e postagens são formas de estimular o efeito mimético destas ações? Tenham vergonha criminosos!».
Depois desta troca de ‘mimos’ entre o número dois da PSP e o movimento inorgânico as relações deterioraram-se ainda mais com a notícia de outra morte esta semana. Mas, agora, a direção nacional da PSP decidiu remeter-se ao silêncio e não deu mais informações, apesar de ter confirmado, ao JN, a 16 de junho, a morte de dois agentes. Factualmente, ninguém sabe se são cinco ou seis agentes da PSP que já se suicidaram este ano, apesar de haver quem o garanta._Mas também na GNR, pelo menos um guarda suicidou-se este ano, mas o comando-geral não respondeu às questões colocados pelo nosso jornal, à semelhança da PSP.
E é aqui que entra outra vez o Movimento Zero, que culpa a hierarquia e o Governo. «E a ministra? Onde está? Vai ou não exigir medidas concretas às direções? Vai ou não assumir que as condições indignas dos polícias são da responsabilidade direta do Governo que lidera? A vergonha é vossa! A rua vai voltar a falar! Ou nos respeitam, ou terão de enfrentar-nos», ameaçaram os elementos do movimento inorgânico.
Acusações de negligência aos chefes
Como a direção nacional não fala do assunto, deixa o campo livre para todas as teorias._Segundo o Movimento Zero, um dos agentes que se suicidou «estava a ser acompanhado em psiquiatria, medicado e desarmado, mas continuava a desempenhar funções no quartel da Bela Vista, no_Comando do Porto, como armeiro!!».
Segundo dados que circulam pelos jornais, desde 2010 até 2024 suicidaram-se 107 agentes da PSP e guardas da GNR. Em 2015, oito agentes e sete guardas colocaram fim à vida. Em 2022 não se suicidou nenhum agente, mas puseram fim à vida oito guardas. Nesta contabilidade entre as duas forças de segurança, a PSP registou 57 suicídios ‘contra’ 50 da GNR. E não esquecer que faltam os números de 2025, que nunca serão, até à data, inferior a cinco.
Para Bruno Pereira, presidente do Sindicato Nacional de Oficiais de Polícia (SNOP), o fenómeno «é bastante preocupante, desolador e ilustra bem o estado emocional limite em que muitos polícias se encontram. Existem razões de natureza pessoal, mas não tenho a mínima dúvida que o sacrifício, o desgaste da profissão, que se tem vindo a avolumar, contribui de sobremaneira para que o equilíbrio emocional mínimo que um policial deve ter, para conseguir não só lidar com os problemas da sua vida, mas ao mesmo tempo estar capaz e são para lidar e responder aos problemas com os quais se depara na sua profissão, é cada vez mais difícil de gerir».
Burnout, família e casa
O líder dos oficiais reconhece o melindre da questão, mas diz que não se pode ignorar o que está a acontecer. «Aparentemente, temos cada vez mais agentes a chegar a situações limites como esta. Isto tem que ser analisado a fundo. Aliás, já há demasiados estudos que mostram bem o quão o burnout se tem vindo a cristalizar e se tem vindo a massificar, a estender dentro de organizações como esta, que tem, recordo, mais do dobro da percentagem de suicidas por comparação à média nacional. E portanto, se não olhamos para isto verdadeiramente de forma séria, isto vai continuar a crescer e, portanto, não é uma coisa pouca».
Já o maior sindicato da instituição, a Associação Sindical dos Profissionais da Polícia (ASPP), num documento enviado ao Ministério da Administração Interna e ao diretor nacional da PSP, Luís Carrilho, lembra que «a ASPP luta, há décadas, por um regime de Segurança e Saúde no Trabalho na PSP. Chegou a avançar com uma queixa junto da OIT (…) Além da Saúde Mental, o sindicato tem também alertado para a própria Saúde Operacional, como incumbência e responsabilidade do Estado/Governo, em criar as condições para a manutenção de níveis de saúde e operacionalidade adequados».
O sindicato liderado por Paulo Santos recorda à ministra o trabalho que já foi feito no passado, mas que é preciso fazer muito mais, juntando à missiva o que o sindicato propôs enfrentar os suicídios na PSP, em 2023. Entre outras medidas, sugere que o suicídio tem «de ser enfrentado com frontalidade e combatido com todas as armas científicas, sociais, económicas e humanas que conhecemos».
A_ASPP reforça a necessidade de os agentes terem a possibilidade de estarem perto da família, além de outra medidas que quer ver implementadas como «o reforço de recursos humanos nas áreas do SAD-PSP, acidentes de serviço e Gabinetes de Psicologia e aplicação das ferramentas de forma equilibrada por todo o país, para desta forma melhor servir os polícias nos seus cuidados de saúde físicos e psicológicos». A_ASPP propõe ainda, entre várias outras medidas, que se deve «fazer uma seleção dos profissionais de polícia que tenham habilitações superiores na área da Psicologia, para promover o reforço do Gabinete de Psicologia e para desenvolver apoio nos diversos comandos do país».
Para Bruno Pereira, os números «mostram bem que há reformas internas, mais do que o dinheiro, que é, sem dúvida, relevante, mas que são reformas que tem de ser levadas por diante, designadamente não só o apoio suporte que os polícias precisam de ter, sobretudo nos centros onde a intensidade operacional e o desgaste emocional é maior, como também a própria possibilidade de haver uma mobilidade mais ágil dentro do sistema organizacional das forças de segurança. A permitir que essas pessoas estejam mais próximas da sua família, e não precisem de 15 e 20 anos para poderem ser movimentados para próximos das suas casas, e dar-lhes, também, algum equilíbrio pessoal». O líder do SNOP termina com um desabafo: «Nós até temos elementos de ligação à psicologia, cada subunidade territorial tem polícias para onde são canalizadas todas as situações potenciais desta e de outra natureza, que careçam eventualmente de acompanhamento, para que haja uma ligação direta à rede de apoio dos psicólogos. Há uma rede montada, se ela é suficiente, admito que não. E admito que não porque não conseguimos desde logo detetar todas as situações desta natureza. Mas que temos essa preocupação, temos».