Trump e Lula num braço de ferro político

O julgamento de Bolsonaro fez com que Trump lançasse uma ameaça comercial ao Brasil. Lula parece firme, mas a preocupação impera em Brasília.

A tensão entre os governos do Brasil e dos Estados Unidos aumenta a cada dia. O braço de ferro entre o presidente brasileiro, Lula da Silva, e o seu homólogo norte-americano, Donald Trump, não é de agora, mas os desenvolvimentos recentes – da guerra comercial à questão do ex-presidente brasileiro Jair Bolsonaro, passando pelas parcerias estratégicas de Lula – foram responsáveis pela escalada.

A diferença ideológica entre Trump e Lula é evidente. Ninguém esperava que a relação fosse pautada por uma proximidade extrema, tendo em conta também a simpatia entre Trump e Bolsonaro. E bastaram seis meses de Donald Trump na Casa Branca para que a relação bilateral chegasse ao ponto a que chegou. Um ponto de rutura.

Antes de analisar os eventos recentes, convém recordar que, no ano passado, e bem antes da eleição de Donald Trump, o Supremo Tribunal do Brasil já tinha travado uma batalha com o que viria a ser depois o principal patrocinador da candidatura do ex-presidente, Elon Musk. O processo levou a que a rede social X, da qual Musk é proprietário, fosse bloqueada no Brasil e as tensões entre Alexandre de Moraes (e Lula) e os Estados Unidos aumentaram significativamente.

O fator Bolsonaro
Com a polémica entre Moraes e Musk esquecida, foi o processo e o julgamento de Bolsonaro que serviram de rastilho a esta nova contenda. Numa carta endereçada ao presidente brasileiro no passado dia 9 de julho, que posteriormente publicou nas redes sociais, Donald Trump utilizou uma das suas armas de eleição, a saber, as tarifas, para pressionar a Justiça brasileira.

«Conheci e lidei com o ex-Presidente Jair Bolsonaro e respeitei-o muito, assim como a maioria dos outros líderes», começou Trump. «A forma como o Brasil tratou o ex-Presidente Bolsonaro, um líder altamente respeitado em todo o mundo durante o seu mandato, incluindo pelos Estados Unidos, é uma vergonha internacional. Este julgamento não deveria estar a ter lugar. É uma Caça às Bruxas que deve terminar IMEDIATAMENTE!», continuou.
A carta prossegue com acusações dirigidas ao Supremo Tribunal do Brasil, onde Donald Trump alega que o Brasil tem feitos «ataques insidiosos (…) às eleições livres e aos direitos fundamentais de liberdade de expressão dos americanos (como recentemente ilustrado pelo Supremo Tribunal brasileiro, que emitiu centenas de ordens de censura SECRETAS e ILEGAIS contra redes sociais dos EUA)» e que, por isso, a partir de agosto, os Estados Unidos estabelecerão uma «tarifa de 50% sobre todos e quaisquer produtos brasileiros enviados para os Estados Unidos, independentemente de todas as tarifas setoriais».

No último parágrafo da mensagem oficial, é de salientar outro ponto: «Se quiserem abrir os vossos mercados comerciais, até agora fechados, aos Estados Unidos e eliminar as vossas políticas tarifárias, e não tarifárias, e barreiras comerciais, talvez possamos considerar ajustar esta carta».
Assim, a orgânica desta mensagem parece deixar poucas dúvidas quanto aos objetivos de Trump. Isto é, a ameaça das tarifas, que terá efeitos negativos consideráveis para a economia brasileira, serve como instrumento para atingir objetivos políticos dos EUA. Trump já o havia feito com a Colômbia, com o Canadá e com o México. O desagrado de Trump em relação aos défices comerciais é conhecido, mas no caso do Brasil os EUA têm a balança comercial a seu favor, registando um excedente de 6,8 mil milhões de dólares, de acordo com a CNN.

Mas será que o objetivo de Trump pode ser atingido? Numa coluna (que se tornou famosa) publicada no passado dia 20 de julho no The Washington Post, Ishaan Tharoor acredita que o «bullying de Trump contra o Brasil está a sair pela culatra». Tharoor mencionou a questão da estratégia de Trump que levou os outros países a ceder perante a pressão, mas acredita que com o Brasil é diferente porque «a economia do Brasil é maior e mais diversificada que a dos seus vizinhos e o seu líder sentiu uma oportunidade na crise».
Segundo escreveu Igor Gadelha no Metrópoles, a publicação deste artigo foi «comemorada nos bastidores» por membros do executivo brasileiro. Lula também fez transparecer convicção e resistência, mas Brasília está a braços com um problema bicudo.

Lula firme, mas atento
Em entrevista à CNN, Lula da Silva retaliou. «O poder judicial no Brasil é independente. O presidente da República não tem qualquer influência», acrescentando ainda que Jair Bolsonaro «não está a ser julgado pessoalmente», mas sim pela tentativa de «organizar um golpe de Estado». «Se Trump fosse brasileiro e tivesse feito o que aconteceu no Capitólio, também estaria a ser julgado no Brasil. E possivelmente teria violado a Constituição. Segundo a Justiça, ele também seria preso se tivesse feito isso aqui», atirou o presidente brasileiro que também já teve os seus problemas com a Justiça, tendo sido preso na sequência do processo Lava-Jato.
Ainda citado pela CNN, e desta vez referindo à questão da guerra comercial, Lula disse que «o Brasil é para cuidar do Brasil e cuidar do povo brasileiro, e não para cuidar dos interesses dos outros». «O Brasil não vai aceitar nada que lhe seja imposto. Nós aceitamos negociação e não imposição», acrescentou. Contudo, não fechou portas a uma negociação futura: «Se o presidente Trump estiver disposto a levar a sério as negociações em curso entre o Brasil e os EUA, então estarei aberto a negociar o que for necessário».
Mas o discurso firme de Lula contrasta com o sentimento que paira em Brasília. De acordo com uma notícia do jornal brasileiro g1, «o sentimento no Palácio do Planalto [onde fica o gabinete do Presidente], a oito dias da entrada em vigor das tarifas recíprocas, é de preocupação, porque no caso brasileiro existe uma mistura de componentes políticos e económicos». Isto porque, continua o jornal, se as questões políticas estivessem fora da equação, «o terreno para negociação estaria bem mais propício, já que os Estados Unidos têm superavit com o Brasil».

Quando se considera o impacto das tarifas de 50% na economia brasileira, a preocupação mostra-se perfeitamente justificada. Segundo um relatório da Confederação Nacional da Indústria, citado pelo g1, esta tarifa pode traduzir-se na perda 52 mil milhões de reais (cerca de 8 mil milhões de euros) em exportações. Um corte que seria responsável por uma queda na ordem dos 0,16% no Produto Interno Bruto brasileiro e pelo despedimento de 110 mil pessoas.

Estas previsões forçam naturalmente o Brasil a negociar. Porém, e como noticiou o g1, «de acordo com os ministérios das Relações Exteriores e do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, o governo Lula já enviou duas cartas a integrantes do governo Trump, mas não obteve respostas formais».
Assim, as vias secundárias da diplomacia foram ativadas e Mauro Vieira, ministro dos Negócios Estrangeiros do Brasil, disse, numa entrevista à Globonew, que já se realizaram mais de dez rondas de negociações. Em caso de fracasso, o Brasil deverá recorrer à Organização Mundial do Comércio.
Até agora, nenhuma negociação foi concluída e, assim, as tarifas de 50% entrarão em vigor a partir do dia 1 de agosto.