No passado domingo, os Estados Unidos e a União Europeia chegaram a um acordo em matéria comercial. Desde que Donald Trump assumiu de novo as rédeas da Casa Branca, a questão das tarifas tem sido uma constante e as ameaças de aumentos em termos de barreiras comerciais foram dirigidas tanto a rivais quanto a aliados geopolíticos. A União Europeia não foi exceção.
Mas, após a ameaça de Trump em aumentar as tarifas sobre as importações europeias para os 30% e de a UE ter elaborado um plano de retaliação, o presidente norte-americano e a presidente da Comissão Europeia, Úrsula von der Leyen acabaram por se entender. Após um jogo de golfe na sua propriedade em Turnberry, na Escócia, os dois líderes apertaram a mão, concluindo assim um complexo processo de negociações com um «grande negócio», nas palavras de von der Leyen. Trump também se mostrou satisfeito, dizendo que o acordo vai reaproximar os dois aliados.
Porém, os alarmes soaram na Europa após a reunião de alto nível. Tendo sido apresentado como um grande negócio, acabou por ser criticado por um vasto leque de personalidades políticas europeias – da esquerda à direita – e por vários analistas, tendo sido até colocada em causa a própria razão de ser da União Europeia. Mas se foi conseguida uma redução nas tarifas, porquê as críticas? A resposta tem que ver com a influência europeia no panorama internacional, mas primeiro vejamos os detalhes do acordo.
PEQUENAS DIFERENÇAS
A “fact sheet” (ficha de dados ou ficha técnica, em português) publicada pela Casa Branca, intitulada «The United States and the European Union Reach Massive Trade Deal» (Os Estados Unidos e a União Europeia chegam a um acordo comercial enorme, em português), começa com três frases decisivas que sublinham a importância do acordo para os americanos. Primeiro, o executivo dos EUA declara que «[o] acordo marca uma modernização geracional da aliança transatlântica e proporcionará aos americanos níveis sem precedentes de acesso ao mercado da União Europeia». Depois, afirma que «reforça a economia e as capacidades de produção dos Estados Unidos», acrescentando que a «UE comprará 750 mil milhões de dólares em energia americana e fará novos investimentos de 600 mil milhões de dólares nos Estados Unidos, tudo isto até 2028». Por fim, não faltou espaço para salientar a capacidade negocial de Donald Trump: «Através de uma liderança decisiva e de um compromisso inabalável para com os trabalhadores americanos, o Presidente Trump conseguiu mais um acordo que posiciona os Estados Unidos como o principal destino mundial para o investimento, a inovação e o fabrico avançado».
A este respeito, a União Europeia foi, como seria expectável, mais comedida: «Este acordo político restaura a estabilidade e a previsibilidade para os cidadãos e as empresas de ambos os lados do Atlântico. O acordo assegura a continuação do acesso das exportações da UE ao mercado dos EUA, preservando cadeias de valor profundamente integradas – muitas das quais dependem de PME – e salvaguardando efetivamente o emprego. Constitui igualmente a base para uma colaboração contínua entre a UE e os EUA». A Comissão garante ainda que estamos perante «a primeira etapa de um processo que será alargado ao longo do tempo para abranger outras áreas e continuar a melhorar o acesso ao mercado» e delineou os oito pontos fundamentais: «Estabelecimento de um limite máximo único e abrangente das tarifas dos EUA de 15% para os produtos da UE»; «Tratamento especial para produtos estratégicos»; «Unir esforços para proteger os setores do aço, do alumínio e do cobre contra a concorrência desleal e as distorções»; «Liberalização de certas trocas comerciais de interesse mútuo dos EUA para a UE»; «Reduzir barreiras não tarifárias»; «Reforçar a cooperação em matéria de segurança económica»; «Garantir um acesso fiável a energia crítica e a fornecimentos orientados para o futuro»; «Promover e facilitar os investimentos mútuos nos dois lados do Atlântico».
Porém, há um ponto mencionado no documento da Casa Branca que não consta do ficheiro publicado pela Comissão Europeia: o do compromisso de compra de equipamento militar aos EUA. O executivo norte-americano escreveu que «[a] União Europeia concordou em adquirir quantidades significativas de equipamento militar dos EUA», algo não confirmado por Bruxelas.
Bom ou mau negócio?
A Comissão Europeia apresentou o acordo como uma vitória política, diplomática e económica. «O acordo político alcançado entre a Presidente von der Leyen e o Presidente Trump serve os interesses económicos fundamentais da UE em relações comerciais e de investimento estáveis e previsíveis entre a UE e os EUA. Ao mesmo tempo, respeita plenamente a soberania regulamentar da UE e protege domínios sensíveis da agricultura da UE, como a carne de bovino ou de aves de capoeira», pode ler-se na conclusão do documento.
Mas esta perspetiva está longe de ser consensual. Por exemplo, Olivier Blanchard, economista-chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI) entre 2008 e 2015, não poupou críticas. «Por que razão haveria a União Europeia de estar disposta a aceitar, como parece estar disposta a fazer, a tarifa de 15%? Seremos assim tão fracos que isto é o melhor que podemos esperar?», escreveu Blanchard, na rede social X, na véspera do encontro entre von der Leyen e Trump. Uma vez consumado o acordo, o economista voltou ao ataque: «O que me preocupava aconteceu. Um “acordo” completamente desigual entre os EUA e a UE. Não tenham dúvidas: as tarifas assimétricas de 15% são uma derrota para a UE». «Quando a lei da selva prevalece, os fracos não têm outra hipótese se não aceitar o seu destino. Mas a Europa podia ter sido potencialmente forte, sozinha ou numa coligação com outros. Teria de estar preparada para águas tempestuosas. Mas teria conseguido um acordo melhor no final e enviado uma mensagem forte ao mundo. Uma oportunidade perdida», acrescentou Blanchard.
Bruno Maçães, especialista em geopolítica e ex-secretário de Estado para os Assuntos Europeus, foi mais longe, colocando a própria razão de ser da União em causa. Numa coluna publicada pelo The New Statesman, Maçães apresentou a seguinte pergunta retórica: «Em primeiro lugar, mais do que qualquer outra crise na minha vida, o acordo mina a própria raison d’etre da União Europeia. Se a UE é, afinal, demasiado fraca, demasiado dividida, demasiado tímida para defender os interesses europeus na cena mundial, para que serve exatamente?».
Assim, o acordo comercial entre a União Europeia e os Estados Unidos, que foi apresentado como uma grande vitória, parece não ter sido bom, mas sim o menos mau. De qualquer das formas, as opiniões dos especialistas apontam para o facto de a relevância europeia no tabuleiro geopolítico, que tem vindo a regredir de forma gradual, ter atingidos novos mínimos após o aperto de mão entre von der Leyen e Donald Trump.