À data de redação, o tête-à-tête entre Donald Trump e Vladimir Putin está prestes a acontecer no Alasca. É o primeiro encontro entre um Presidente dos EUA e Putin desde o início da invasão russa da Ucrânia. O resultado ainda não é certo, mas poderá ser um passo importante para desatar o nó que tem estrangulado o Leste da Europa desde 2022.
Desde que Donald Trump assumiu de novo a liderança da Casa Branca várias têm sido as críticas dirigidas à sua administração. Dentro deste leque destaca-se uma: a acusação de que o Presidente está a apaziguar Putin, cometendo assim o mesmo erro capital que Neville Chamberlain cometeu em 1938 quando, em Munique, cedeu a região dos Sudetas a Hitler. Este infame acordo, que, nas palavras de Chamberlain, asseguraria a «paz no nosso tempo», ficará na história como uma carta branca entregue aos nazis. O que se seguiu todos sabemos.
Em 2025, o plano de paz que tem vindo a ser proposto por Trump, e que agora parece ser aceite também por Zelensky, tem sido comparado ao acordo de 1938. À primeira vista, o paralelismo parece evidente: o líder de um dos países mais poderosos a ceder uma faixa de território de outro país a um tirano imperialista. James Hanson escreveu na The Spectator que «Donald Trump é o Neville Chamberlain do nosso tempo» e Nicholas Milton radicalizou o argumento, escrevendo no The Guardian que «ao contrário do PM britânico na década de 1930, o ex-Presidente americano não possui qualidades que o redimam».
Apesar da crítica sustentada por um exemplo histórico, trata-se de um caso nada paradigmático de história (bem) aplicada. O que não invalida a possibilidade de traçar alguns paralelismos válidos. A questão é que estes últimos têm que ver com a Europa e não com os EUA. À semelhança do Reino Unido e da França nos anos 30, a Europa adormeceu na última década nas questões de defesa e errou no julgamento das intenções reais de Putin, que já tinha dado sinais em 2008 na Geórgia e em 2014 na Crimeia. As ‘pombas’ estavam erradas, com o tempo a dar razão aos ‘falcões’ como Winston Churchill. Mas o limite dos paralelismos fica circunscrito às fronteiras do velho continente.
Trump lidera a maior potência mundial. A Rússia, atualmente, nem chega sequer a ser considerada uma superpotência. Em 1938, o PIB alemão era, de acordo com estimativas da Statista, de 351,4 mil milhões de dólares (em dólares de 1990). O britânico era de 284,2 mil milhões. Hoje, o PIB americano (29,1 biliões de dólares) é cerca de 14 vezes superior ao russo (2,1 biliões de dólares). Em 1938, o poder militar germânico era colossal. A retirada do acordo de desarmamento permitiu a Hitler colocar em marcha um forte programa de rearmamento, enquanto «as divisões aliadas tinham um poder de fogo apenas ligeiramente superior ao das divisões da I Guerra Mundial», como pode ler-se na enciclopédia Britannica. Hoje, a NATO tem mais do dobro de soldados ativos, reservistas e o quádruplo de unidades paramilitares em relação aos russos. O poder aéreo ocidental é 20x superior e conta com 10x mais veículos blindados que os rivais. A superioridade atlântica estende-se ainda ao poder naval, sendo duas vezes superior ao de Moscovo. Outro ponto importante que inviabiliza a comparação entre Trump e Chamberlain é o facto de vivermos num mundo onde a dissuasão nuclear é uma realidade. Aliás, a MAD (Destruição Mútua Assegurada) foi a realidade que marcou as relações internacionais da segunda metade do século XX.
Dito isto, e ainda que alguns argumentos se possam enquadrar, o que torna as comparações tentadoras, chegamos à conclusão de que Trump não é Chamberlain, Putin não é Hitler e, claro, 2025 não é 1938.