As chefias militares da Europa e dos EUA começaram a explorar as opções em cima da mesa para garantir a segurança da Ucrânia depois da promessa do Presidente dos EUA ajudar a proteger o país depois de qualquer acordo que acabe com a guerra desencadeada pela Rússia.
De acordo com a agência Reuters, o Pentágono está a planear que tipo de apoio poderia ser dado por Washington para além do fornecimento de armas. Mas qualquer que seja a opção militar tomada pelos europeus e norte-americanos, teria de ser aceite pelo Kremlin. E o Ministério dos Negócios Estrangeiros da Rússia descartou o envio de tropas dos países da NATO para ajudar a garantir um acordo de paz.
Desde logo porque a Rússia advertiu quarta-feira que qualquer discussão sobre as garantias de segurança ocidentais a oferecer à Ucrânia sem considerar a posição de Moscovo será inválida. «O Ocidente compreende perfeitamente que discutir seriamente garantias de segurança sem a Rússia é utópico, é um caminho que não leva a lado nenhum», afirmou o ministro dos Negócios Estrangeiros russo. «Não podemos aceitar que as questões de segurança coletiva sejam agora abordadas sem a Rússia», disse Serguei Lavrov, citado pela AFP.
Uma opção seria enviar forças europeias para a Ucrânia, mas colocá-las sob o comando e controlo dos EUA. As tropas não estariam sob a bandeira da NATO, mas operariam sob as bandeiras dos respetivos países.
Trump deixou claro que os EUA não enviarão tropas para o terreno e que os europeus devem «assumir a liderança» de qualquer esforço defensivo, com Washington a oferecer apoio não militar, como dissuasão aérea ou coordenação logística.
Numa entrevista ao programa ‘Fox & Friends’ da Fox News, sugeriu que Washington poderia fornecer apoio aéreo à Ucrânia. «Quando se trata de segurança, (os europeus) estão dispostos a colocar pessoas no terreno, nós estamos dispostos a ajudá-los com coisas, especialmente, provavelmente… por via aérea, porque ninguém tem o que nós temos, realmente eles não têm», disse Trump, sem mais pormenores. O apoio aéreo dos EUA poderia assumir várias formas, incluindo o fornecimento de mais sistemas de defesa aérea à Ucrânia e a imposição de uma zona de exclusão aérea com aviões dos EUA.
Cerca de 30 países têm estado em conversações , no âmbito da chamada Coligação de Interessados (CI), sendo uma das ideias em cima da mesa o envio de uma «força de segurança» para dissuadir a Rússia de novos ataques. Os co-presidentes da CI, França e Reino Unido, estão de acordo. «Estamos prontos para colocar botas britânicas no terreno na Ucrânia, em parte para tranquilizar os ucranianos», disse o secretário da Defesa britânico, John Healey, à BBC. A Bélgica, bem como os bálticos Lituânia e Estónia, também afirmaram estar prontos para enviar tropas. Dainius Žikevičius, conselheiro do presidente lituano, disse que a missão poderia ser semelhante à antiga missão da NATO no Afeganistão. Já o primeiro-ministro da Estónia, Kirsten Michal, reafirmou a sua disponibilidade para fornecer tropas, referindo, no entanto, que «é importante que se continue a trabalhar nos pormenores».
O terceiro Estado báltico, a Letónia, continua indeciso. O Presidente Edgars Rinkēvičs disse que a sua decisão dependerá das outras garantias de segurança. O governo sueco também está indeciso e precisa de mais esclarecimentos sobre se a missão será de manutenção da paz, de dissuasão ou de tranquilização.
Por seu lado, a Alemanha diz ter pouca capacidade para enviar tropas para a Ucrânia, mas que forneceria elementos importantes para as garantias de segurança.
O governo de Viktor Orbán fez saber que não serão enviadas tropas húngaras para a Ucrânia nem quaisquer meios militares de apoio ao país vizinho e o vice-primeiro-ministro polaco afirmou que «não há nem haverá quaisquer planos para enviar militares polacos para a Ucrânia».
A primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni, afirmou que o envio de tropas italianas para a Ucrânia «não está a ser planeado», enquanto os Países Baixos e Espanha afirmaram estar prontos a reforçar o exército ucraniano, mas que tal não implica o envio de tropas. Já a Turquia estaria disposta a participar, mas a relação com a UE é complicada.
Na quarta-feira, o Presidente russo falou ao telefone com o homólogo turco. De acordo com o Kremlin, Vladimir Putin e Recep Tayyip Erdogan discutiram a situação na Ucrânia e a cimeira do Alasca realizada entre Putin e Trump. No rescaldo do telefonema, Erdogan disse que a Turquia apoia os esforços para a paz na Ucrânia, defendendo que deve haver uma participação de todas as partes, reiterando a intenção de lutar por uma paz justa.
No dia seguinte, quando questionada sobre se a Turquia considera o envio de uma missão de paz à Ucrânia como parte das garantias de segurança, o ministério da Defesa turco defendeu ser «necessário primeiro garantir um cessar-fogo entre a Rússia e a Ucrânia e só depois definir a estrutura de uma missão com um mandato claro e esclarecer as contribuições de cada país».
Os líderes militares da NATO reuniram quarta-feira para debater a situação na Ucrânia e próximos passos a tomar. O general da Força Aérea dos EUA, Alexus Grynkewich, que também supervisiona as operações da NATO na Europa, informou os congéneres sobre a reunião no Alasca de Trump com Vladimir Putin.
Publicamente, a reunião na Base Aérea de Elmendorf-Richardson de sexta-feira passada terminou após três horas, e ambas as partes destacaram progressos, mas sem revelar pormenores.
O líder da Casa Branca elogiou um «encontro produtivo» bem como o «grande progresso» alcançado. Segundo Donald Trump, ficaram «muito poucas questões» por resolver com a Rússia, acrescentando: «Ainda não chegámos lá, mas temos boas hipóteses de lá chegar».
Por seu lado, o Presidente russo comentou que «as conversações decorreram numa atmosfera construtiva de respeito mútuo», incluindo a parte relativa ao conflito na Ucrânia. Vladimir Putin descreveu as discussões como «muito aprofundadas e úteis» e acrescentou que estão reunidas todas as condições para que os dois dirigentes ponham fim ao conflito na Ucrânia «o mais rapidamente possível».
Putin pediu que Kiev e os países europeus aceitem as conclusões da cimeira «com um espírito construtivo» e disse que a Rússia está «sinceramente interessada em terminar» a guerra. A Rússia afirma estar envolvida numa «operação militar especial» na Ucrânia para proteger a segurança nacional, alegando que a expansão da NATO para o leste e o apoio militar ocidental a Kiev representam ameaças existenciais. Ucranianos e aliados ocidentais dizem que a invasão é uma apropriação de terras ao estilo imperial.
Otimismo renovado
Trump tem pressionado por um rápido fim da guerra mais mortífera da Europa em 80 anos e depois do encontro em Washington, os líderes europeus têm um otimismo renovado e consideram a reunião vantajosa para todos. Assumindo que a posição do Presidente dos EUA se mantém, ou Vladimir Putin se mostra cooperativo nos esforços para acabar com a guerra ou dissimula e não coopera, demonstrando a sua falta de confiabilidade a Trump, provocando uma maior pressão de Washington. Vários líderes políticos europeus têm pouca esperança de que Putin se mantenha fiel à confiança que Trump deposita nele. Ainda assim, veem com bons olhos a oportunidade de o Presidente dos EUA conseguir um acordo. Antes partir para Washington, o Presidente francês Emmanuel Macron disse que acreditava no homólogo dos EUA. «É claro que, se acabarmos numa situação em que Putin provar que não quer acabar com a guerra, isso forçará Trump a agir e fortalecerá os argumentos a favor das sanções», disse um diplomata europeu ao Politico.
Na segunda-feira, na reunião entre Trump e o homólogo da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, na Sala Oval, com os principais líderes da União Europeia a ouvirem da porta ao lado, os dois presidentes sublinharam a sua determinação em fazer funcionar a sua relação. Depois de Trump e Zelensky terem terminado a reunião bilateral, juntaram-se a eles os sete líderes europeus que se deslocaram a Washington com Zelensky para mostrar o apoio unido da Europa à Ucrânia e aos esforços de paz do Presidente dos EUA.
«Penso que as nações europeias vão assumir uma grande parte do fardo. Vamos ajudá-los e vamos tornar a situação muito segura», disse Trump, acrescentando que um dos pontos discutidos entre os líderes em Washington foi «quem vai fazer o quê».
Por seu lado, Zelensky afirmou que as garantias de segurança são uma parte importante de uma «conversa muito boa» na qual foram discutidos «pontos muito sensíveis».
Compra de armas
Trump disse ainda que o Presidente russo, Vladimir Putin, concordou que o Kremlin aceitaria garantias de segurança para a Ucrânia. «Acredito que, num passo muito significativo, o Presidente Putin concordou que a Rússia aceitaria garantias de segurança para a Ucrânia», revelou o Presidente norte-americano.
Zelensky afirmou na conferência de imprensa conjunta com Trump que a Ucrânia precisa de recursos para manter as suas forças armadas fortes, incluindo armas, treino e partilha de informações, e que um exército ucraniano forte constitui, por si só, uma garantia de segurança.
De acordo com o Financial Times (FT), a Ucrânia teria proposto um acordo para comprar armas dos EUA e produzir drones ucranianos em troca das ambicionadas garantias de segurança oferecidas pelos EUA. O jornal britânico noticiou que obteve um documento em que a Ucrânia promete comprar 100 biliões de dólares em armas dos EUA com financiamento europeu caso os EUA forneçam garantias de segurança, mas observou que o documento não especificava quais as armas que Kiev pretende comprar. O FT informou ainda que a Ucrânia também propôs um acordo de 50 biliões de dólares para produzir drones com empresas ucranianas.
Reunião trilateral
Após as conversas com Zelensky e os líderes europeus, o Presidente dos EUA reiterou que o próximo passo é colocar Putin ao telefone: «E podemos ou não ter uma reunião trilateral – se não tivermos uma [reunião trilateral], então a luta continua. E se o fizermos, temos uma boa hipótese, penso que se tivermos uma ‘trilat’ há uma boa hipótese de acabar com isto».
Zelensky disse estar pronto para um encontro trilateral com Putin e Trump, que espera que uma reunião trilateral se realize o mais rapidamente possível, e que é nessa altura que os territórios poderão ser discutidos. «Também precisamos de discutir as possíveis trocas de território», disse Trump, que se baseariam nas atuais linhas da frente e nas terras que a Rússia ocupa: «Isso significa a zona de guerra, as linhas de guerra que estão agora, bastante óbvias, muito tristes, na verdade, para olhar para elas e posições de negociação». Aquilo a que o Presidente dos EUA chamou de «troca de terras» é o aspeto mais complicado de um possível acordo.
Quaisquer negociações sobre este assunto levarão um tempo considerável, razão pela qual Zelensky e os líderes europeus prefeririam um cessar-fogo primeiro – só então as negociações podem pôr fim à guerra.
No entanto, disse Trump, «todos nós preferiríamos obviamente um cessar-fogo imediato enquanto trabalhamos numa paz duradoura. Talvez algo desse género possa acontecer. Neste momento, isso não está a acontecer». Os líderes europeus insistiram que, sem um cessar-fogo, Putin tem mais tempo para continuar a fazer a sua guerra. «Se olharmos para os seis acordos que assinei este ano, todos eles estavam em guerra. Não fiz nenhum cessar-fogo», afirmou Trump, dizendo a Zelensky: «Não acho que precises de um cessar-fogo».
Frente unida
Mas elogiando Trump por se ter comprometido com garantias de segurança para a Ucrânia, os líderes europeus sugeriram que acordar um cessar-fogo temporário ainda é uma possibilidade. Além disso, os líderes de França, Alemanha, Finlândia, Itália e Reino Unido, bem como a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, e o secretário-geral da NATO, Mark Rutte, mostraram uma frente unida sobre a segurança da Ucrânia, sublinhando que a questão é crucial para todo o continente.
O primeiro-ministro britânico, Keir Starmer, afirmou que se registaram «progressos reais» e um «verdadeiro sentido de unidade» enquanto von der Leyen sustentou que todas as partes estavam a trabalhar em conjunto para «uma paz duradoura». Já o chanceler alemão afirmou que «o caminho está agora aberto» para travar os combates, mas que os próximos passos são «mais complicados».
«Não quero esconder o facto de que não tinha a certeza de que as coisas iriam correr desta forma – poderiam ter corrido de forma diferente», afirmou Friedrich Merz. «Mas as minhas expectativas não foram apenas satisfeitas, foram ultrapassadas». Merz disse ainda que « vamos tentar pressionar a Rússia», acrescentando que gostaria de ver um cessar-fogo. Mas Trump não se comprometeu, dizendo: «Se pudermos fazer o cessar-fogo, ótimo».
Já segundo o Presidente francês, o resultado «mais importante» da reunião foi o «compromisso dos EUA em trabalharem connosco para dar garantias de segurança» à Ucrânia. Emmanuel Macron disse que os participantes nas conversações de segunda-feira estão dispostos a marcar uma reunião bilateral entre Putin e Zelensky «nos próximos dias» e a reunião trilateral incluindo Trump «dentro de duas a três semanas». Já o chanceler alemão disse que essa reunião «deve, como todas as reuniões, ser bem preparada; fá-lo-emos com o Presidente Zelensky». Sobre as garantias de segurança, Merz disse que europeus e norte-americanos terão de discutir quem participa e em que medida. «É absolutamente claro que toda a Europa deve participar», afirmou. «Não se trata apenas do território da Ucrânia. Trata-se da ordem política da Europa», acrescentou.
Mas o Kremlin não se comprometeu publicamente com uma reunião bilateral ou trilateral. Trump afirmou que ligou para Vladimir Putin após a cimeira de 18 de agosto e começou a organizar uma reunião bilateral entre Zelensky e Putin em data e local ainda por definir. O Presidente dos EUA afirmou que se reunirá com Zelensky e Putin numa reunião trilateral em data ainda não determinada após a reunião bilateral.
O assessor presidencial russo, Yuri Ushakov, após a chamada entre Trump e Putin, falou à imprensa para dizer que Putin e Trump «expressaram apoio à continuação das negociações diretas entre as delegações da Rússia e da Ucrânia» e que «seria necessário estudar a possibilidade de elevar o nível dos representantes dos lados ucraniano e russo». Já Zelensky reiterou que está pronto para se reunir com Putin incondicionalmente e que a Rússia foi a primeira a propor uma reunião bilateral entre a Ucrânia e a Rússia, seguida de uma reunião trilateral com os EUA, cujo local está em discussão. França e a Itália sugeriram a neutra Suíça como potencial anfitriã, e a nação alpina rapidamente prometeu «imunidade» a Putin. Já o próprio Trump terá na ideia Budapeste como uma opção, enquanto Putin sugeriu Moscovo. Viena, Roma e Doha são também hipóteses.
As questões territoriais são centrais na discussão de um possível acordo de paz. A Rússia ocupa cerca de um quinto da Ucrânia e, segundo a agência Reuters, Putin e Trump discutiram no Alasca uma proposta que exige que a Ucrânia retire as suas tropas das partes que controla na região oriental de Donetsk.
Território
A Ucrânia, tal como os seus aliados europeus, opõe-se à ideia de reconhecer legalmente qualquer território ucraniano como russo. No entanto, Kiev reconheceu tacitamente que terá de aceitar algumas perdas territoriais de facto.
Zelensky afirmou que as negociações para pôr fim à guerra devem ter como ponto de partida a atual linha da frente e não podem começar com a retirada das tropas ucranianas de partes do seu próprio território que a Rússia não controla.
Quaisquer alterações ao território da Ucrânia teriam de ser decididas por referendo, de acordo com a Constituição do país e o Presidente ucraniano afirmou que não tem mandato para ceder qualquer parte do território do país, acrescentando que se Kiev retirasse as tropas da região oriental fortemente fortificada de Donetsk, abriria a Ucrânia à ameaça de avanços russos mais profundos em território ucraniano menos bem defendido.
Segundo um estudo de opinião, uma maioria dos ucranianos deseja um acordo negociado, mas também se opõe ao reconhecimento do território ucraniano como russo. Uma sondagem do Instituto Internacional de Sociologia de Kiev revela que que 68% dos inquiridos se opõem à ideia de reconhecer oficialmente «algumas partes» do território ocupado como russo, enquanto 24% estão abertos a essa possibilidade. Já 78% opõem-se à ideia de abdicar do território que Kiev controla.