Aqui há pouco Porto!

Que relação existe entre produção e valorização da imagem e o respectivo nome do candidato?

“Oh, não! Pesadelo
Há que vivê-lo por dentro e logo após desfazê-lo”

Sérgio Godinho

Uma grande parte dos portuenses já foi a banhos e regressa à cidade invicta para dar início a mais um ano de trabalhos com eleições à porta. Os cartazes dos candidatos aparecem nos nós rodoviários da cidade, nos jardins, nas praças, nas ruas colocados de forma estratégica, com recurso a imagens e palavras de grande formato, identificando os principais candidatos e respectivas promessas com fins eleitorais. A palavra-imagem associada à presença pública dos candidatos configura para as ciências sociais e para a teoria critica uma oportunidade para compreender o processo político das eleições a nível autárquico.  

Cada um dos cartazes permite elaborar uma espécie de radiografia hermenêutica de cada uma das candidaturas, porque, remete para uma critica teórica do estado actual da democracia e das suas configurações e redes no contexto de uma cidade média, como é o caso do Porto. A partir de um olhar critico e hermenêutico sobre cada um dos cartazes é possível identificar e dar a conhecer os principais instrumentos ideológicos que mobilizam cada uma das candidaturas, da esquerda à direita, de filiação partidária ou de emergência cidadã por movimentos independentes.

Os cartazes são um dos principais suportes da afirmação política, onde se colocam ideias, desejos, vontades, programas e compromissos dos candidatos e respectivos partidos ou movimentos sociais independentes oriundos da sociedade de base e, mais alinhados pela lógica dos interesses imediatos; os cartazes funcionam como mediadores entre os candidatos e suas “propostas” e a comunidade de base local, limitada a cada um dos territórios eleitorais. São os eleitores que irão decidir quem querem a representar a nossa cidade tendo em conta a oferta possível e disponível. Cada uma das imagens procura valorizar e dignificar cada um dos candidatos, para isso, recorrem a técnicas que são comuns na publicidade, na moda e na televisão. Os personagens fotografados são todos candidatos que pertencem a famílias políticas diferentes ou representantes dos seus próprios movimentos.

As imagens aparecem-nos como formas de negociação entre as diversas opções da acção politico-partidária e os seus campos de possibilidade segundo Appadurai (1996:27-47). Independentemente, das propostas de cada um dos candidatos, o que se procura é o reconhecimento social e a afirmação do candidato como capaz de garantir um desempenho político superior ao do seu rival. A fotografia revela o revelado de forma a publicitar o lado humano e a sua sensibilidade social. Uns oferecem casas, outros segurança, outros ainda mobilidade e boas contas. Em poses solenes, com sorrisos de rasgar tipo pasta medicinal couto, outros com espirito quase quixotesco lançam o seu olhar contra os moinhos do neoiliberalismo.

Que relação existe entre produção e valorização da imagem e o respectivo nome do candidato?

O que se pretende é a valorização de cada um dos candidatos a partir da produção e da valorização da imagem como “coisa” absoluta. Aquilo que se pode designar como uma “boa imagem”. Uma imagem que pode vender, que pode mobilizar, que pode representar o representado.  No fundo, a produção de imagens e a sua valorização aparece vinculada ao nome dos candidatos, de tal forma, que, seja capaz de representar o candidato como o homem ou a mulher certa no momento certo e, capaz de representar simbólica e culturalmente os cidadãos da sua cidade. Contudo, existe um primeiro bloqueio entre imagem e mediação, uma grande parte das imagens soam a “coisa estranha”, desconhecidos do corpo social, a mediação é subjectiva e abstrata, faz lembrar a abordagem não-objectiva do imaginário de Jackson Pollock.

Rui Moreira fazia uso dessa estratégia simbólica com o slogan «Aqui Há Porto», feliz expressão que colocava os seus adversários sem a possibilidade de resgatar o Porto-Cidade-Território, como base de representação social e simbólica. Todo o Porto cabia exclusivamente na candidatura independente, colocando todos os outros adversários excluídos desse referente de base identitária e territorial. A corporeidade de adesão ao «O Porto Somos Nós», permitirá reivindicar como verdadeiro e legitimo herdeiro do «Aqui Há Porto» para as eleições de outubro de 2025? Fica a interrogação e a dúvida!

Por outro lado, o pensamento que está subjacente a esta estratégia de reivindicação da filiação e naturalização como base de afirmação política e, como condição maior, garante de legitimidade de representação de uma comunidade territorial, o Porto; remete para a potencia político-simbólica que reside num povo e numa cidade («O Nosso Porto»). Estamos perante formas simplistas e hipersubjectivas de entender o campo social, as suas articulações micropolíticas e as suas resistências. Recorrer a uma condição de filiação e naturalização de «corpo-cidade-Porto», para além de ser provocatória também coloca o dilema da «verdade proibida», da «verdade forçada», da violação da impossibilidade e da incessante redefinição teórica do possível ou impossível, porque nos coloca perante a ruptura da continuidade histórica. Por outras palavras, nenhuma das candidaturas quer romper com o passado, plasmado no «Aqui Há Porto». As candidaturas para 2025-2029 reivindicam para si esse espaço de representação ontológica, numa clara convergência com os mandatos anteriores. Essa condição configura também a fragilidade criativa e a fraca autonomia dos actuais e hipotéticos sucessores do Presidente Rui Moreira na Câmara do Porto.

Nenhuma das actuais candidaturas explorou as margens e os interstícios, como corpo mobilizador de descontinuidades criativas, isto é, ser capaz de pensar através do corpo-cidade, enquanto potencia subjectiva que permite o acesso ao real concreto e abstrato, que liga esse corpo social, de forma a reinventar novos compromissos e novos horizontes: mediar o universal com o local, o antes com o depois, o micro com o macro, o eleito com o eleitor, o representante com o representado. Esta dimensão, permite deslocar a acção política do Estado Local para os movimentos sociais de base, valorizar a forma criativa das resistências insulares, as poderosas marginalidades, que constituem o ecossistema da cidade da participação, que, devem confrontar toda a lógica de poder.

Numa concepção bourdieuana (1987; 1992) dos campos e dos esquemas interpretativos do poder, os candidatos não se apresentam numa condição de participação e de organização do poder face aos compromissos entre eleito e eleitores, pelo contrário, ignoram a mediação e a participação de base social. As suas palavras remetem para uma identidade deslocada e subjectiva de não-pertença a uma comunidade com território, recorrendo à construção de frases populistas e demagógicas como: «Somos Porto», «O Porto Somos Nós», «Fazer À Porto», «Fazer das Tripas Coração», «À Moda do Porto», ou ainda a mais lacaniana das frases: «Estamos Aqui».

Os candidatos recorrem à subjectividade e à construção fraseológica simples e redonda, sem grandes ideias, sem grandes compromissos, remetem-se a uma redutora e simplista lei da oferta, tendo em vista um eleitorado consumista e mecânico.

Nestas eleições não existe possibilidade de um lutar frente a frente, capaz de clarificar e separar, de mobilizar e de confrontar, de identificar alternativas com futuro-feliz; as candidaturas funcionam como uma espécie de «descamisados políticos», deserdados de um passado que todos querem agarrar, porque lhes permite uma falsa continuidade numa transição hipócrita e oportunista.

A transição será complexa e psiquicamente dolorosa, ao recusarem o confronto e a descontinuidade histórica, caminham para o absurdo político, lugar do vazio e da ausência, da negação e da impossibilidade de um «passar para outra coisa» (Althusser, 1973).

Há doze anos (2013) foi possível uma candidatura que queria romper com o passado, apresentou-se como uma potencia criativa para uma cidade em náusea e abandonada pela ruína. Rui Moreira conseguiu criar uma candidatura com força e alegria contagiante, foi capaz de mobilizar cidadãos e minorias criativas, soube confrontar e lutar contra os grandes partidos a nível local, os casos do PSD e PS. Essa onda contagiante para uma Nova Cidade teve um nome, Paulo Cunha e Silva.

A campanha foi um espaço de luta, de confronto, de alternativa e de forte mobilização. Hoje, deparamo-nos, com um cenário de absoluta continuidade, com vereadores que passam de um lado para outro lado, presidentes de junta que abraçam outras cores partidárias, candidatos que já fazem promessas e acordos como se fossem eleitos. Perderam-se os limites ideológicos e partidários, rasgamos as vestes da ética e da moral, invisibilizam-se as margens e as minorias, ignoram-se as identidades passadas em benefício da estratégia e do oportunismo pessoal e político, somos comandados pelo carreirismo e pela mística da obediência partidária.

Estas eleições estão marcadas pela ausência de qualquer tipo de compromisso de justiça espacial e social. As mediações são frágeis e os compromissos quase não se vislumbram com a cidade-comunidade-futuro. A mobilização é fraca e reduz-se aos territórios partidários ou às microclientelas/familiares que disputam entre si lugares e mimos futuros, territórios e instituições, medalhas e condecorações.