O verão é uma promessa cumprida

Setembro chega então com um intenso cheiro a novo a pairar no ar, aos livros por abrir e aos cadernos por escrever, com canetas ainda por estrear

Há uma transição que o calendário não celebra, mas que a vida impõe como
uma herança irrefletida: o fim de Agosto e a chegada de Setembro.

Bem vistas as coisas, é precisamente à medida desse compasso invisível que
crescemos, embalados pela pausa de umas férias que apelidamos de “grandes” (como se dentro delas coubesse a promessa inteira de uma nova vida).

Agosto é o tempo suspenso dos dias longos e das noites infinitas. A época das
férias de família, dos amigos que marcam a estação com um carimbo especial, personagens prometidas de um enredo sazonal que se despede antecipando a garantia de um regresso.

O mês dos mergulhos, dessa liturgia que enxagua a alma e que lava do corpo tudo o que se vai acumulando. A fase dos finais de tarde, dos pôres-do-sol sob os quais adormecemos estendidos em toalhas que acumulam o calor das horas, enquanto o horizonte se tinge de esperança.

Setembro chega então com um intenso cheiro a novo a pairar no ar, aos livros
por abrir e aos cadernos por escrever, com canetas ainda por estrear. É o
ensinamento permanente que agrega as escolas e os locais de trabalho – as
crianças que serão adultos e os adultos que foram crianças – é a lição primordial da vida. É o anúncio de uma mudança que não chega de rompante, mas que ao invés se insinua com o distanciamento do rumor das cigarras e com o voo discreto dos pássaros outonais.

Sophia de Mello Breyner escreveu – e bem – que “o verão é uma promessa
cumprida”. Depois dele, algo se rearranja com uma respiração diferente. O
tempo retoma o seu curso com uma cadência firme, carregado de futuros
possíveis.

Nessa dobra do tempo que tanto passa despercebida, Agosto levanta-se da
areia para reaprender a andar ao ritmo dos relógios coordenados por Setembro, com a firmeza reconhecida de que a vida precisa de continuar.

De tudo isto, resulta uma conclusão que não é inócua de extrair. Existem
mudanças que se afirmam silenciosas, porque andam por aí escondidas pelo
interstício do calendário; não lançam foguetes, não erguem brindes, não
proclamam resoluções; e, ainda assim, é ali que o mundo recomeça. Sem
convenções, porque a verdadeira mudança não espera, não aguarda, não
implica acontecimentos que forçamos como sendo determinantes para a viragem das nossas vidas, é tão-só um alarme visceral que não tem hora para tocar.

As transições são territórios sagrados. Não pertencem nem ao que acaba nem ao que começa — vivem na fronteira e é nessa fronteira que a vida se expande. Elas têm essa potência, permitem-nos revisitar o que somos, mas também reentrar no que poderíamos ser.

Fazendo uso do estrangeirismo, a rentrée não é uma reentrada por mero acaso, é precisamente uma segunda entrada dentro do mesmo ano. É a vida a dar-nos uma nova oportunidade.