Ao contrário do que é divulgado Mário Soares nunca afirmou, literalmente, «é preciso meter o socialismo na gaveta».
Perante uma grave crise financeira, que poderia pôr em causa boa parte das conquistas de Abril, o primeiro-ministro do I Governo Constitucional (1976/1978) aceitou negociar com o FMI um programa de assistência financeira.
Confrontado com as críticas injustas que a extrema esquerda e o PCP lhe dirigiram, Mário Soares reconheceu que, face aos bloqueamentos financeiros, o prioritário era proceder à estabilização democrática, ‘aceitando’ um ritmo mais lento para o socialismo.
Soares nunca ocultou que usava o conceito ‘socialismo’ como equivalente à ‘social-democracia’ ou ao ‘socialismo liberal’ que se desenvolveram nos países do centro e do norte da Europa.
Sendo a Liberdade o traço mais identificativo desses regimes políticos e sendo o político português, desde sempre, um lutador incansável pela Liberdade, facilmente se compreende a sua opção, face às circunstâncias do momento.
Mas apesar do proclamado ‘engavetamento’ do socialismo não passar de um mito urbano, este episódio político revela que, em momentos extremamente difíceis, é preciso que os países disponham de líderes de dimensão superior, capazes de sacrificar as suas convicções, para garantir que o projeto democrático não entre em crise.
Portugal teve esse líder em 1977 e voltou a tê-lo em 1983 quando foi necessário negociar um novo programa de assistência financeira com o FMI.
Esta narrativa, assente em factos facilmente comprováveis, é uma Verdade, da história contemporânea e produziu a sua Consequência, pois assegurou que, 50 anos após o 25 de abril, o país continue a viver em democracia e em Liberdade.
Mas existe, hoje, uma situação extremamente complexa na UE a que pertencemos desde 1986 (mais uma vez pela intuição brilhante de Mário Soares), que poderá causar muitos problemas à economia portuguesa.
Mario Draghi, o político que, em 2012, salvou o euro e consequentemente a União Económica e Monetária com a célebre frase ‘whatever it takes’ acaba de o confirmar, afirmando que é preciso Salvar a Europa, custe o que custar.
Apesar do tom relativamente otimista que imprimiu à sua comunicação, Draghi sinalizou que, só com profundas reformas nas suas instituições e nas suas regras de funcionamento, a salvação da UE será viável.
Remover a Lei de Bronze, que impede a alteração dos Tratados, é muito difícil, mas se isso não for feito, a Consequência será a irrelevância do projeto europeu, já evidente nas negociações sobre tarifas com os EEUU e na estranha Cimeira de alguns líderes europeus com o Presidente Trump, a propósito da invasão da Ucrânia.
Esta instabilidade afetará, sem dúvida, a política portuguesa e a sua evolução, a médio prazo.
Não existindo, para já, uma perspetiva de deterioração das contas públicas começa a percecionar-se (o que é pior) uma situação de ingovernabilidade que só pode acabar mal.
Compete aos partidos centrais do sistema entenderem-se, no essencial, de forma a construírem uma defesa eficaz contra os perigos que ameaçam o regime na sequência da ascensão meteórica da extrema direita.
É assim tão difícil de compreender?
É Verdade que já não há líderes políticos da dimensão de Mário Soares ou Sá Carneiro, mas é preciso encontrá-los, pois a Consequência desse vazio, será o enfraquecimento da democracia liberal e, pelo menos em parte, da própria Liberdade.