Um espetáculo indecoroso

Enquanto o impoluto eng.º Sócrates rotula a acusação de ‘desonesta’, o advogado do dr. Salgado questiona a ‘dignidade’ do tribunal. É o mundo de pernas para o ar.

De cada vez que vemos o eng.º José Sócrates dirigir-se para as câmaras de televisão à entrada do campus de Justiça, já sabemos que o antigo primeiro-ministro e a sua equipa de advogados conseguiram desmontar mais uma cabala tramada pelo Ministério Público. E que até possuem provas inequívocas disso, que estão prontos a partilhar com os jornalistas. O facto espantoso é que o mesmo José Sócrates tenha durante anos tentado por todos os meios escapar a este julgamento. Com tantos trunfos na manga, não se percebe a sua relutância em apresentar-se em tribunal. Para quê todos os recursos e as manobras dilatórias se a acusação não tem ponta por onde se lhe pegue? Se é tão fácil rebater as suspeitas, por que não quis limpar a sua reputação mais cedo?

E no entanto…

No entanto ficaram só duas ou três coisas por explicar. Meros detalhes. Por exemplo, porque é que Sócrates precisava que um amigo lhe emprestasse dinheiro se afinal a família Pinto de Sousa era riquíssima e tinha um cofre recheado de maços de notas prontas a usar. Ou por que motivo o dinheiro que esse amigo lhe emprestava não era simplesmente transferido para a conta de Sócrates, mas dava mil e uma voltas antes de chegar às mãos do destinatário.

Em qual dos Sócrates devemos acreditar? Naquele que disse na televisão que pediu um empréstimo à CGD para poder ir estudar para Paris? No que falou de uma grande herança familiar? Ou no que diz que não tem de prestar contas sobre os empréstimos feitos por um amigo? As contradições são por de mais evidentes.

Seja como for, um antigo primeiro-ministro que sistematicamente denigre, rebaixa e achincalha as instituições do Estado que ele próprio dirigiu e representou – e não foi há tanto tempo assim – oferece um espetáculo indecoroso. Mesmo que não houvesse mais nada – e há –  o egocentrismo, a arrogância e a falta de respeito que Sócrates tem exibido mostram até onde ele é capaz de ir. Mostram alguém que não hesita em atropelar tudo o que se lhe interponha no caminho. Inclusive o interesse nacional (como se suspeita que tenha acontecido no caso da venda da Vivo no Brasil).

Também indecorosa é a forma como a defesa de Ricardo Salgado tem tentado eximir-se à Justiça. Poderia ter apresentado os seus argumentos nos canais próprios, discretamente, mas prefere expor de forma despudorada a doença do seu cliente, para exercer pressão sobre o tribunal e influenciar por vias ínvias o resultado das averiguações.
O advogado do dr. Salgado teve até o desplante de apelar a que fosse respeitada «a dignidade» do seu cliente e das instituições.

É o mundo de pernas para o ar._Enquanto o impoluto eng.º Sócrates acusa a acusação de ser «desonesta» (!!!), o advogado do dr. Salgado questiona a «dignidade» do tribunal. O banqueiro_ter-se apropriado indevidamente, para usar palavras simpáticas, das poupanças de milhares de clientes foi uma atitude honrosa de um grande senhor, mas o julgamento «é uma vergonha internacional».

Digam logo, alto e bom som: os arguidos da Operação Marquês são uns mártires do sistema. Parem com esta perseguição infame e encontrem de uma vez os verdadeiros culpados disto tudo: a Justiça corrupta, os jornalistas perversos e talvez os lesados do BES, que têm impunemente enlameado o bom nome de José Sócrates e Ricardo Salgado.

jose.c.saraiva@newsplex.pt