No pico do verão, li que Sydney Sweeney estava a ser muito criticada, e até acusada de racismo e eugenia, por causa de uma campanha publicitária que fazia um trocadilho entre jeans e genes. Parece que sugerir que a atriz, que é clarinha de pele e de olhos, tem ótimos genes – perdão, jeans – não é bonito, nem fica bem (como no velhinho anúncio televisivo do restaurador Olex). Dizem que alude à expressão ‘ótimos genes’, significando a celebração da branquitude e, por contraste, a menorização da não branquitude. É o que dá ter o inglês como língua franca, se fosse o português já não haveria problema, porque calças de ganga não dá para fazer trocadilhos com genes, embora dê para ter inúmeros problemas, entre outros, com a expressão humor negro. Vamos a contas direitas. Primeiro, é verdade (na minha opinião) que o racismo é uma coisa execrável, a evitar e a combater. Também é verdade que ‘ótimos genes’, em certos contextos, teve (e pode ter) um conteúdo promocional da brancura. E também não é menos verdade que a liberdade (até ela) tem limites, não sendo preciso ser muito versado em Karl Popper para saber que a liberdade ilimitada pode conduzir à sua própria destruição. Porém, convém não exagerar, e ter limites para os próprios limites, sob pena de não haver liberdade nenhuma, e sobretudo de cair no ridículo (que é uma coisa pior do que o humor negro, porque, ao contrário deste, não tem graça nenhuma).
Esta coisa gravíssima da Sweeney (que tem de apelido o mesmo nome do barbeiro degolador) é mais um exemplo da insuportável correção, que conduz a todos os excessos (e perigos) e que é filha essencialmente de três coisas que estão na berra: a ignorância do contexto, a hipervalorização dos sentimentos e a falta de sentido de humor. Cada vez se olha menos para o contexto e se é menos capaz, mesmo olhando, de o compreender. Tudo é visto de modo equivalente, como se fazer um anúncio publicitário fosse o mesmo que um comício ou um panfleto. Tenham paciência, trata-se apenas de um anúncio a calças de ganga. No trocadilho podem estar subentendidas mais coisas e até nele desaguar um rio de história e de cultura? Pode, sim, mas e então? Lá por isso não se pode fazer o trocadilho, é preciso cancelar e censurar, em nome da pureza e do progresso? E isso depois leva-nos onde? E quem diz quais são as fronteiras, e que trocadilhos se podem fazer ou não fazer? É a mesma ignorância de contexto, e é o mesmo excesso, que levou à condenação de Leo Lins no Brasil, e numa pena e tanto, como se um espetáculo de stand-up fosse um comício em Nuremberga. O homem apenas tenta (e às vezes consegue) ter graça. À custa de outros, é verdade. Mas qual é o humor que não é à custa de outros? O humor é como os almoços, nunca é de graça, e além disso é um dos preços da liberdade. Esquecer isto leva-nos, acho eu, por muito maus caminhos. Mais a mais se lhe juntarmos a hipervalorização dos sentimentos, contando muito mais o que sentimos do que o que pensamos. Ah, eu ou fulano ou um grupo de pessoas sentimo-nos mal com esta campanha ou com esta piada, então pronto, acaba-se com ela, sem pensar um bocadinho no facto de para vivermos todos juntos termos de aguentar algumas coisas de que não gostamos, que nos fazem sentir mal. É o preço da convivência livre. Sobretudo se forem só campanhas publicitárias ou tiradas de humor (com mais ou menos graça, tanto faz), que não são assim coisas tão importantes – aliás, isso é outro problema atual, transformar em casus belli coisas de caracacá. E não sejam tão carrancudos, nem tão julgadores, tenham um bocado de sentido de humor, relativizem, mesmo que seja para aceitarem que se riam de vós, e de preferência sejam também capazes de se rirem de vós mesmos. Saber rir também faz bem aos genes.
Advogado