
Querida avó,
Efetivamente, cada um de nós pode ter uma “perceção” diferente da mesma realidade
Como sabes, adoro entrar em pastelarias, com ”montras bastante compostas”. Na maior parte das vezes apenas tomo um café! Mas adoro contemplar a doçaria e os salgados, diferentes de norte a sul de Portugal.
Estive uns dias no Algarve, em trabalho, claro.
Quando cheguei ao Hotel, perguntei pela pastelaria mais próxima.
«A Colibri fica está a poucos metros de distância», responderam. Com este nome, pensei que me estavam a indicar um daqueles espaços que encontramos nos postos de abastecimento, nas autoestradas. Mas não, felizmente.
Realmente, batizaram doces e salgados com nomes muito originais.
Quando estive em Arouca, há uns tempos, descobri as “Virgens”. Calma! Estou a falar das famosas sandes de mortadela, frita em molho de frango da Casa Testinha. Diariamente, são vendidas às centenas.
O nome dado a muitos “Doces Conventuais” leva-nos a um paradoxo entre religioso e o profano. Maninhas e Barrigas de Freira (Coimbra) ou Pito de Santa Luzia (Vila Real) são dois, dos muitos, exemplos que se referem a partes do corpo ou a sensações, muitas vezes com um toque de malícia e ironia. Já para não falar do formato, caricato, implementado em muitos doces e salgados.
Reza a lenda que depois de receberem o Pito, oferecido pelas mulheres no dia de Santa Luzia, os homens oferecem a Gancha no dia de São Brás. Típico da criatividade e do humor da cultura portuguesa.
A palavra “perceção” está na ordem do dia. Ouve-se dizer: «O Algarve está caro; existem portugueses que preferem ir para o sul de Espanha, onde tudo é mais barato…».
Nas praias da Costa da Caparica, Linha de Cascais, Costa Nova … as Bolas de Berlim, na praia, custam 3€.
No Algarve, onde “tudo é mais caro”, as ditas cujas custavam, pasma-te, 2,50€. E não estavam em promoção.
A perceção é lixada!
Bjs
Querido neto,
Sabes porventura, que o “prego no pão” homenageia Manuel Dias Prego, um taberneiro da Praia das Maçãs (Sintra) que, no final do século XIX, servia bifes de vitela fritos ou assados em pão, tornando o petisco famoso e popularizando-o com o seu apelido. O nome da sanduíche acabou por se associar ao seu criador e à sua taberna, acabando por espalhar-se por todo o país.
Sempre que vou a Vila Nova da Barquinha não resisto ao “Pirilau do Frade Ambrósio”. Um doce tradicional português de origem conventual, associado ao Convento do Loreto, situado nessa linda terra.
Aqui, não encontro “Caralhotas”, os pãezinhos tradicionais de Almeirim. Mas perceções não faltam.
Quando me preparava para partilhar contigo coisas completamente diferentes, caiu-me no colo – que é como quem diz “na minha página de Facebook”, a evocação de uma querida amiga, Gina Azevedo, filha do jornalista Manuel de Azevedo. Num tempo em que ainda nem se sonhava com escolas de jornalismo, ele foi o meu grande mestre.
Lembro-me sempre de o ouvir dizer: «um jornal que se preze não circula com palavras fora de circulação».
Isto a partir do dia em que um “jornalista” descrevia assim a chegada ao aeroporto de uma equipa francesa de futebol, que vinha jogar com uma equipa portuguesa: «E, do bojo das elegantes aeronaves, saíram impantes os briosos gauleses».
Nunca me esqueci disto.
Podem dizer que hoje o jornalismo atravessa uma fase muito má, etc., etc…. mas, antes de falarem, lembrem-se disto.
Onde quer que esteja, tenho a certeza de que o meu querido Manuel de Azevedo também nunca o esquecerá.
Penso que nem toda a gente aqui da Ericeira sabe que o último agente da PIDE, de seu nome Óscar Cardoso, vive nesta bela terra.
O Sr. Óscar diz que tornava a fazer tudo o que tinha feito, e que nunca tinha havido torturas, que disparate! Apenas se explicava às pessoas o que não deviam fazer…
É tudo uma questão de perceções.
Bjs