Outubro de 2023, dia 7, uma data que voltou a alterar o frágil status quo que se vive em Israel e na Palestina. Nesse dia, o Hamas lançou um ataque surpresa em larga escala contra Israel, partindo principalmente da Faixa de Gaza. Milhares de foguetes foram disparados e centenas de militantes atravessaram a fronteira por terra, ar e mar, atacando cidades e bases militares. Em resultado desse ataque, morreram cerca de 1.200 israelitas nesse dia, entre civis, soldados e forças de segurança. Destes, foram 725 civis. Foram ainda feitos 251 reféns.
Depois dessa data, os israelitas lançaram ataques em grande escala a Gaza tendo provocado 59.219 mortos e 143.045 feridos, de acordo com dados da ONU de 23 de julho de 2025. Algumas análises apontam que as mortes diretas podem ter superado as 90 mil pessoas, mesmo desconsiderando mortes indiretas causadas por falta de cuidados médicos, fome e destruição da infraestrutura. De acordo com os dados avançados, deste valor, 83 % dos mortos em Gaza eram civis, enquanto apenas 17 % correspondiam a combatentes do Hamas.
Este foi o pano de fundo que esteve por detrás da viagem que fiz com a minha família a Israel, Cisjordânia e Jordânia. Uma viagem que estava marcada há cerca de um ano e que contava com mais duas famílias amigas, num total de 15 pessoas.
A situação estava mais calma até ao ataque de Israel sobre o Irão e posterior retaliação. Em 26 de outubro de 2024, Israel bombardeou alvos no Irão, incluindo fábricas de drones e bases militares. A 13 de junho de 2025, Israel lançou novamente uma operação chamada Rising Lion, tendo atingido instalações nucleares e militares. Como não podia deixar de ser, o Irão retaliou com mísseis contra Tel Aviv, Haifa e Bnei Brak a 16 de junho de 2025, matando quatro a cinco civis e ferindo dezenas. Apesar da proteção do famoso sistema antiaéreo israelita Iron Dome, foram destruídos vários prédios em Telavive, como podemos constatar durante a nossa viagem.

A decisão de partir
A data marcada para a viagem era a 13 de agosto. Neste cenário, os nossos amigos desistiram imediatamente de viajar connosco. Numa fase inicial, tivemos a mesma opinião, mas depois de um período de acalmia e de conversas com o Comissariado da Terra Santa e com alguns amigos israelitas, decidimos avançar.
Assim, dos iniciais 15 passámos a quatro, também excluindo o meu filho mais novo que ficou a estudar para a cadeira que faltava para acabar o curso no final de agosto. Saímos três de Lisboa e uma das minhas filhas de Londres. Fomos avisados para o interrogatório a que iríamos ser sujeitos no aeroporto. Em Lisboa foi tranquilo, mas a minha filha em Londres já não teve uma vida muito facilitada. Chegou mesmo a pensar que não embarcava. Peripécias à parte, chegámos no dia 14 de agosto a Telavive, de onde seguiríamos para Jerusalém, onde apenas tínhamos o único hotel marcado por três dias.
Jerusalém
Apanhámos os dias mais quentes do ano, com temperaturas sempre superiores a 40 graus. Nesse primeiro dia em Jerusalém estivemos no Santo Sepulcro, fizemos a Via Sacra, estivemos no túmulo de Nossa Senhora (na Igreja da Assunção de Maria), no Monte das Oliveiras e no Jardim do Getsémani, onde Jesus rezou e foi preso na noite da sua Paixão. As primeiras impressões, sobretudo comparando com uma peregrinação da Lugar-Tenência portuguesa da Ordem do Santo Sepulcro de Jerusalém que tinha feito em 2010, foram muito impactantes. Os lugares santos estavam quase desertos. Só como exemplo, estivemos mais de cinco minutos sozinhos no Santo Sepulcro, impensável em 2010… Outro facto impensável, os preços estavam altíssimos. Hotéis, restaurantes, táxis, etc. Incompreensível para um país sem turismo.
No dia seguinte, dia da Assunção de Nossa Senhora, iniciámos o dia no Convento da Dormição (convento administrado por Beneditinos, no local onde morreu Nossa Senhora), onde tivemos uma cerimónia presidida pelo Cardeal Fernando Filoni, Grão-Mestre da Ordem do Santos Sepulcro de Jerusalém. A Ordem do Santo Sepulcro, que remonta ao tempo das cruzadas, é uma ordem católica que apoia os cristãos e preserva os lugares sagrados em Jerusalém e na Terra Santa. O seu objetivo principal é apoiar a presença cristã em Jerusalém e na Terra Santa, incluindo financiamento de igrejas, escolas e hospitais. Depois de um almoço e conversa com o Cardeal Filoni, rumámos ao Cenáculo, onde Jesus celebrou a última ceia, que fica nas imediações. Ainda nesse dia, na companhia de dois seminaristas mexicanos dos Legionários de Cristo (uma ordem religiosa católica masculina fundada no México em 1941, que tem por objetivo formar líderes católicos, promover a evangelização, educação e trabalho pastoral), que tínhamos conhecido nessa manhã, passámos para a Cisjordânia para a Igreja da Natividade, em Belém. Mais uma vez, estivemos numa Igreja da Natividade e diante do local de nascimento de Cristo sem ninguém, mais de meia hora. Também pude constatar uma impressão que tinha ficado do dia anterior, contrária ao que se passava em 2020, os padres das várias confissões Cristãs (Ortodoxos e Arménios) estavam bem mais afáveis e simpáticos, ajudando e explicando, mesmo sabendo que éramos católicos. Ainda nesse dia, tivemos uma conversa muito esclarecedora sobre a vida dos católicos e das suas dificuldades naquela região com um dos principais padres do Patriarcado de Jerusalém. Dificuldades essas impensáveis para nós, ocidentais. Estamos a falar, por exemplo, de falta de autorização para viver em Jerusalém de pessoas que trabalham naquela cidade todos os dias. Os católicos palestinos têm de passar todos os dias por checkpoints de soldados israelitas, muitas vezes com dificuldades criadas sem necessidade. Isto acrescentado a mais dificuldades em viagens para o exterior, e mais dificuldades (impossibilidade) para aceder a Gaza.
No último dia em Jerusalém, tivemos um encontro com o Bispo Auxiliar de Jerusalém, o Monsenhor William Shomali, que também nos falou das dificuldades vividas pelos católicos naquele lugar e da necessidade de apoio exterior, não apenas financeiro, mas também humano. Já só existem 1% de católicos naquela zona, quando há algumas décadas, esse número rondava os 20% da população. Ainda nesse dia reunimos com o Superior dos Franciscanos em Jerusalém, o Frei Rodrigo Machado Soares, um brasileiro que está em Jerusalém há anos e que nos mostrou o futuro Museu da Terra Santa.

Nessa tarde tínhamos o Shabbat, o dia de descanso dos judeus, que inicia sexta-feira à tarde e acaba no sábado à tarde. Durante esse período, todas as lojas pertencentes a judeus estão fechadas. Assim, rumámos ao Muro das Lamentações para onde se deslocavam milhares de crentes judeus, nomeadamente milhares de famílias ortodoxas. Ali deparamos com uma praça cheia e em grande algazarra, com muitos a rezar, mas também muitos em alegre confraternização, cantando e dançando. Aqui causa impressão o que é uma constante em todo o território israelita, as muitas mulheres militares, mas também civis a passearem de metralhadora (homens e mulheres), tudo com grande naturalidade. No caminho para o hotel, no Bairro Judeu, surgiam ameaçadores cartazes a dizer – Make Gaza Jewish again – único pormenor é que Gaza nunca pertenceu a Israel…
No dia seguinte depois de termos saído, o Yemen lançou um míssil contra Jerusalém. Soaram os alarmes na cidade! Depois de tantos meses, a população está preparada. Todos os cidadãos têm aplicações para avisar dos ataques. No caso de alarme, dirigem-se todos em segundos ao abrigo mais próximo. No entanto, os ataques do Yemen são ignorados, o que preocupa são os ataques do Irão, onde são disparados milhares de mísseis.
O Mar Morto
Alugámos um carro e seguimos para uma passagem obrigatória naquela zona, pelo menos, para quem vai pela primeira vez, que é o Mar Morto. Este é um lago extremamente salgado entre Israel, Palestina e Jordânia, onde a alta salinidade torna a água muito densa, fazendo com que o corpo flutue facilmente sem esforço.
Depois do Mar Morto passamos pelo Forte Masada, que é uma fortaleza construída pelo rei Herodes no deserto da Judeia, no cimo de uma montanha. Esta fortaleza ficou famosa pela resistência dos judeus contra os romanos em 73–74 d.C.
Durante a viagem de carro passamos por zonas de deserto, mas intercaladas por zonas de cultivo totalmente verdes, numa verdadeira demonstração da capacidade e génio israelita.
Nazaré
Na Nazaré, estivemos na Basílica da Anunciação, onde o anjo Gabriel apareceu a Maria anunciando que seria mãe de Jesus. Aqui somos surpreendidos por dois painéis de azulejos portugueses, um de Nossa Senhora do Rosário, no interior da basílica, e outro de Nossa Senhora da Conceição, Rainha de Portugal, no exterior. Esta última oferecida pela Lugar-Tenência portuguesa da Ordem do Santo Sepulcro.
Nessa tarde, deslocámo-nos a Cafarnaum, junto ao Mar da Galileia, onde Jesus viveu e iniciou a sua vida pública, depois do batismo no Rio Jordão, onde começou a ensinar, pregar e realizar milagres, bem como nas cidades vizinhas. Mais uma vez deparámo-nos com o reduzido número de visitas. Disse-nos o frade Franciscano que estava sozinho a guardar o local, que éramos o segundo grupo a visitar Cafarnaum naquele dia. Antes de 2023, um dia normal contava com mais de cinco mil visitas…
Ainda nesse dia visitámos o Monte das Bem-Aventuranças, onde Jesus pronunciou o Sermão das Bem-Aventuranças, ensinando sobre humildade, misericórdia e justiça. Este, é talvez um dos locais que mais inspira paz de todos os lugares que conheço, talvez por essa razão se tornou um espaço onde se realizam retiros católicos. Como chegámos perto a hora do fecho das portas, tivemos dificuldade em entrar, mas no final lá nos socorreu uma freira da Congregação das Filhas da Caridade, que apoia os Franciscanos naquele lugar.
Terminámos o final desse dia com os nossos amigos seminaristas da Ordem dos Legionários de Cristo, que nos convidaram para uma Exposição do Santíssimo Sacramento na casa de retiros que possuem em Magdala, outro dos locais por onde Jesus andou a pregar no redor do Mar da Galileia. Uma cerimónia muito tocante e novamente com a presença do Grão-Mestre da Ordem do Santo Sepulcro, que fez uma surpresa aparecendo aquele pequeno grupo multinacional que incluía palestinos.
Monte Tabor e Telavive
No dia seguinte rumámos ao Monte Tabor, onde se deu a Transfiguração de Jesus, quando Ele revelou sua glória divina a Pedro, Tiago e João. Mais uma vez, na Basílica da Transfiguração, encontrámos um lugar completamente vazio sem visitas e com mais queixas por parte dos Franciscanos, que lamentavam o abandono dos fiéis.
Mais tarde, ainda nesse dia, em Telavive, deparámo-nos com uma cidade vibrante e uma praia fantástica. Desde o Carmel Market, onde o movimento é imenso, a Jaffa, a cidade antiga, ao Museu de Arte de Telavive, aos clubes de jazz, entre outros locais desta cidade fantástica. Fantástica, mas também ensombrada pela história de ataques recentes, pessoas armadas na rua, bem como alguns prédios destruídos a lembrar que o Iron Dome não é infalível.
Nota-se a agressividade nas pessoas e um peso na sociedade. Uma amiga israelita com quem estivemos diz que anda sempre com a arma na carteira. Nunca se sabe, dizia ela… Na praia, em conversas com alguns judeus moderados, havia quem se queixasse do Governo e que sairia do país, se o actual primeiro-ministro se mantivesse no poder. “Isto vai piorar muito antes de melhorar”, dizia-nos uma israelita moderada. Uma grande maioria dos Judeus com quem falámos tem mais de um passaporte. O passaporte português, de fácil obtenção para quem tem ascendência sefardita, é um dos preferidos.
Outra presença constante na cidade são as imagens dos israelitas raptados pelo Hamas e que ainda estão em cativeiro, que estão espalhadas pela cidade como altares em sua memória. A maioria das lojas, cafés, etc., tem imagens e um impressionante e comovente cartaz a dizer ‘bring them home’!

Petra
Ainda tivemos tempo de conhecer Petra, na Jordânia. Disseram-nos que seria melhor passar a fronteira com um grupo, que fizemos. Afinal não era uma fronteira formal, mas um crossing point. Ou seja, Israel e Jordânia têm fronteira formal, mas o crossing point funciona apenas como posto de controle para passageiros e mercadorias, sem representar o traçado político da fronteira em si. Ou seja, resumindo, esperámos na fronteira mais de quatro horas para entrar na Jordânia e 2,5 horas para sair. Pior do que a fronteira Elvas/Badajoz nos bons velhos tempos, antes da União Europeia. Um verdadeiro regresso ao passado…

Depois de muitas peripécias, com carros avariados e camionetas também avariadas a ocupar a estrada da montanha, lá chegámos a Petra. Chegámos na parte de trás de uma carrinha aberta, que nos levou caridosamente depois da nossa carrinha avariar. Foi a primeira vez que lá estive, não tinha estado em 2010. Petra é imperdível. O fim de uma época, avançada, de diálogo e de abertura ao mundo, uma confluência de povos e estilos que se fundem naquela maravilha da realização humana. Também Petra estava vazia, sem turistas…
O regresso
Regressados a Telavive e a Lisboa, fica uma certa nostalgia. Uma nostalgia de quem quer ajudar um irmão que foi para longe e que vive com dificuldades. Foi com certeza esse sentimento que moveu o Patriarca Latino da Terra Santa a pedir ao presidente da Conferência Episcopal Francesa para que os peregrinos voltem à Terra Santa, a Jerusalém.
*Consultor de comunicação
Editado por Sónia Peres Pinto