A responsabilidade de Moedas

Não vejo o que Moedas poderia ter feito de diferente do que faria outra pessoa que estivesse no seu lugar. Mas há uma coisa que podemos imputar-lhe. E não tem nada que ver com o que se tem dito.

Acabo de ler, com poucas horas de distância, duas exposições sobre as responsabilidades de Carlos Moedas no acidente do elevador da Glória. A primeira prova por A+B que o presidente da Câmara está perfeitamente isento de culpas. A segunda, pelo contrário, prova igualmente por A + B que não lhe resta outra solução que não demitir-se. Podemos acreditar na que quisermos. Mas a principal conclusão a retirar destas duas teses contraditórias, ambas aparentemente assentes numa argumentação infalível, é que, se umas vezes a lógica nos ajuda a aproximarmo-nos da verdade, outras vezes serve-nos para confirmar aquilo em que acreditamos. Por outras palavras, para chegarmos ao resultado que nos convém.

Para começar, é evidente que a perda da Câmara de Lisboa, há quatro anos, foi um duro golpe para o PS, que estava instalado no poder municipal desde 2007. Ficar de fora do executivo dos dois maiores municípios do país foi uma contrariedade difícil de digerir, um espinho cravado na garganta dos socialistas.

É terrível dizer isto, mas devemos assumi-lo sem hipocrisias: num certo sentido, a tragédia do ascensor da Glória foi uma dádiva para o PS, que não via como poderia desalojar Carlos Moedas do poder. Não digo que alguém o desejasse, mas já que aconteceu…

Tínhamos visto ataques aqui e ali, mas percebia-se que ou rebentava um escândalo dos grandes ou as hipóteses de Alexandra Leitão eram, para ser otimista, diminutas.

Afinal o escândalo rebentou mesmo e, como sempre, onde menos se esperava.

A questão última que se coloca nem é, em rigor, se Moedas deve demitir-se (uma vez que o mandato está a terminar) mas se deve retirar a sua candidatura, o que obrigaria o PSD a ter de encontrar um substituto à pressa, como aconteceu na América com os democratas, com os resultados que se viu.

O presidente da Câmara tem ou não razões para isso? Tem ou não responsabilidade política, como apontou o Presidente da República e ele próprio já assumiu?

Tem, na mesma medida em que tem responsabilidade se a cidade estiver suja; ou se alguém for assaltado, porque falta segurança; ou se um cano rebentar, porque se encontrava em mau estado; ou se cair uma árvore num jardim; ou se houver um acidente provocado por um buraco na estrada.

No limite, o presidente da Câmara é responsável por tudo o que acontece sob a sua alçada. Posto isto, também é evidente que não pode controlar tudo. Sendo em teoria responsável, não pode ser culpabilizado por tudo o que de errado acontece na cidade.

No caso concreto do acidente do elevador – que provocou vários mortos e feridos, o que faz toda a diferença em relação aos exemplos anteriores –, se houve uma vistoria ao elevador, se o plano de manutenção estava a ser cumprido, não vejo o que Moedas poderia ter feito de diferente do que faria outra pessoa que estivesse no lugar dele.

Mas há uma coisa que podemos imputar-lhe. E não tem nada que ver com o que se tem dito.

Alguns meses depois de ser eleito, o autarca anunciou transportes públicos gratuitos para residentes maiores de 65 e jovens até 23 anos.

Os políticos, como Pavlov e as cadeias de supermercados, sabem que se fala em gratuitidade e as pessoas começam a salivar.

Na altura escrevi que os transportes gratuitos eram um erro. E questionei por que não se propunha antes melhorar os serviços. Pagar para ter um serviço de qualidade. Claro que não me passava pela cabeça uma tragédia e muito menos desta dimensão. Mas, com ou sem tragédia, continuo a achar que a aposta deve ser essa: esquecer a palavra gratuito – algo que na prática não existe, porque alguém terá de pagar – e melhorar o serviço. E, acrescento agora, as condições de segurança.

Deve Moedas demitir-se – ou retirar a candidatura – por causa disso? Não me parece, até porque uma das bandeiras da sua principal adversária, Alexandra Leitão, é, imagine-se, alargar essa gratuitidade a toda a gente!

jose.c.saraiva@newsplex.pt